50 ANOS DE AMOR AO PRÓXIMO
Reflexão de Pe. Arnaldo Cabral por ocasião do
jubileu de ouro da ordenação sacerdotal de Pe. Edwaldo Gomes, pároco de Casa
Forte, Recife, PE – Dezembro de 2006
Meus irmãos, minhas irmãs, meu amigo
José Edwaldo:
Pascoal afirmava que o coração tem razões e
tem motivos que a inteligência não compreende; que vocês compreendam a minha
presença aqui neste momento. Não desconheço as limitações que a idade realiza,
não digo assim, traiçoeiramente, mas dentro daquilo que é normal num processo
de envelhecença.
Não teria nunca a ousadia, que graças
a Deus o bom senso nunca me faltou, para assumir, sem uma motivação bastante
forte, estar aqui nessa situação. Espero, com a graça de Deus, não castigar
vocês com a prolixidade que hoje caracteriza as minhas pregações.
Estamos celebrando um dos mais
significativos mistérios da infinita misericórdia e bondade do Pai que não só
nos deu o seu Filho unigênito, mas através do Filho nos fez participar,
penetrar e usufruir o seu próprio mistério.
Então, pelo sacramento de Ordem, que não é
outra coisa senão aquele sinal que, pela imposição das mãos do ministro, uma
pessoa batizada, assumida e configurada a Cristo, servo, pastor, sacerdote e
mestre, torna-se sinal, instrumento de sua pessoa e de sua ação na igreja e no
mundo. O sacerdote é um caráter que o sacramento realiza, há como que uma fusão
do agir do padre com o agir do Cristo. Este caráter, esta marca é indelével e
inamissível. Quem foi padre jamais deixará de ser padre. Renunciar ao
ministério não é renunciar ao sacerdócio. Isto não depende da ação humana. Esta
ação do Espírito configurando alguém ao Cristo sacerdote é perpétua. Então,
para nós, que pela misericórdia e graça de Deus continuamos no ministério, esse
sinal sacramental é uma exigência de que cada vez e sempre mais, nós nos
assemelhemos a Jesus.
No ritual da ordenação há o momento em
que o ordenando diz ao ordenado: conforma a tua vida à Paixão do Senhor. Antigamente,
esta palavra se dizia com outras palavras. Era a mesma exigência de assumir o
que celebrava, o que fazia: então, o centro da dignidade inamissível, repito,
que não é grandeza humana e não é nenhuma autorização para nos julgarmos
melhores a quem quer que seja para termos a ousadia de assumirmos posições de
dominação e de poder.
Esta grandeza é
toda colocada dentro de um projeto de serviço que faz com que o próprio filho
de Deus seja servo. Eu não vim para ser servido, eu vim para
servir.
Sacerdócio,
servo, serviço dentro daqueles que realmente assumem fazer-se para o outro.
Foi muito oportuna
essa escolha do evangelho da missa de hoje.
Em momento nenhum
Jesus insistiu com tanta clareza na necessidade de imitarmos o significado e a
dimensão do seu gesto de lavar os pés dos discípulos, escolhendo como sinal o
que havia de mais depreciativo na cultura da época, que era lavar os pés de
alguém. Entre nós e entre Cristo há uma tal comunhão de ação que deveria
realizar uma comunhão de vida que em todas as nossas ações sacerdotais fossem
ações do Cristo. Ele age em nós e através de nós, nessa dimensão de instrumento
vivo; esta é realmente outra lição: nós não somos a causa principal, nós não
realizamos nada por nossa conta; o agente principal é que se serve do
instrumento. Então o que é realização efetiva do nosso trabalho, do nosso
serviço, tudo é obra e graça de Deus nosso Pai pelo Espírito Santo que nos foi
dado para que nós pudéssemos, em nome de Jesus, com a sua autoridade, conduzir
o Povo de Deus.
Ser padre não é nada mais nada menos
do que ocupar o lugar de Jesus. Por isso, a devoção fundamental do padre é
essa. Não é simplesmente realizar ritos ou pronunciar palavras. A celebração
exige uma consonância dos sentimentos interiores do padre, das suas intenções e
da sua vontade com os sentimentos do Cristo. Repetindo as palavras de Jesus,
“fazei isto em memória de mim”, Jesus não nos está mandando simplesmente
realizar o prodígio de transformar o pão em seu corpo e o vinho em seu sangue.
Jesus se entregou. Jesus está dizendo a nós, “faça aquilo que eu fiz”. E o que
foi que Jesus fez? Jesus se entregou. Jesus deu a sua vida. Jesus se imolou
para que nós tenhamos a vida. Aí está a súmula da espiritualidade do padre:
viver o que é sacramento vivo de Jesus. Responsável por representá-lo na Igreja
como liturgo, celebrante, como aquele que atrai para o povo as bênçãos e graça
de Deus.
Essa força do
mistério do sacerdócio não é exclusiva do sacerdote.
Como sabemos é
necessário que o coração esteja em sintonia com o coração de Jesus. Então,
assim nós podemos fazer realmente, podemos realizar, pela compaixão, aquilo que
se afirma do próprio Jesus. Compadecer-se. E essa celebração comemorativa traz
a possibilidade, como que uma nova ordem, ordenação, de um novo momento, naquele
que faz, que celebra o aniversário, um novo florescer, um novo crescer dentro
desse projeto. Morrer com Jesus para então fazer os outros viverem. Esse
mistério de doação, de serviço, de entrega isso que a carta aos Hebreus lembrou
tanto, é graça divina.
Ninguém merece,
ninguém alcançaria os próprios méritos, mas é o olhar misericordioso de Deus
visando o bem do povo. Não há padre para si mesmo, todo sacerdote é para o
serviço do povo, visando o bem do povo.
Isso é uma ação do
Espírito que escolhe os que quer. Ninguém tem mais mérito por ter sido
escolhido sobre os que não foram escolhidos e assim se pode continuar no mundo.
Os sentimentos de
Cristo, tendem em vós os mesmos sentimentos: pensar como Jesus, servir como
Jesus, assumir como Jesus o último lugar. “Quem quiser ser o maior, seja o
menor. Aprendei de mim que estou servindo vocês”.
Esta celebração
meus irmãos, minhas irmãs, toda a sua beleza e grandeza, seja um convite
profundo a todos nós para que nossa vida cresça mais na devoção a Jesus Cristo.
Na devoção à Santa Missa, e todos nós marcados pelo caráter sacramental,
vivamos o que somos. Dessa forma, estamos santificando o mundo e o nosso
serviço ao povo e o nosso apostolado não seja outra, senão exigência do amor.
Nada façamos pelo
interesse pessoal nem façamos unicamente para dizer que fazemos. O amor é a
alma de toda a ação pastoral. O serviço ao próximo é a única demonstração de
que nós amamos e servimos a Deus. O ser pobre e humilde como Jesus para
testemunhar essa mensagem de igualdade e fraternidade que ele trouxe para o
mundo é uma exigência da nossa fidelidade ao sacerdócio.
Padre Arnaldo
Cabral de Souza
Pároco aposentado
do Espinheiro – Recife
Por vários anos
reitor, diretor e professor do seminário de Olinda.