O jogo dos ricos
Na copa de 1970 eu era bem jovem, então com quatorze anos.
Não entendia nada de política. Assisti e vibrei muito com as vitórias daquela
seleção.
Passando o tempo cada vez mais ouvia dizer que futebol era
uma espécie de manipulação sobre o povo para que este se tornasse menos
participativo na política nacional, uma espécie de ópio.
O futebol era um esporte e um divertimento das massas. Um
momento de ufanismo, como uma fumaça dissipante para os graves problemas pelos
quais o povo passava. Era até para se torcer sem muita vibração, pois tudo
aquilo era um circo das elites dominantes, financiado com o capital
estrangeiro; como no tempo dos imperadores romanos, o estádio era o Coliseu.
Isso eu ouvia falar e fui crescendo ouvindo isso. Continuei
sem entender muito de política.
O jogo mudou de lado. Quem estava na geral agora está no
palanque oficial. O futebol continua sendo um dos grandes amores do povo
brasileiro, só que ele agora assiste de fora dos gramados, de fora do Coliseu.
O espetáculo ficou muito caro, inacessível.
Telões são armados na periferia. O povo precisa ser mantido
a uma distância segura. Os estrangeiros agora ditam a lei dentro dos estádios e
ao redor deles.
Não entendo como um simples ingresso para um campeonato de
confederação possa custar algo em torno de trinta por cento do salário de um
trabalhador, que construiu o estádio com o suor de seu rosto e que na Copa do
Mundo venha a custar quase cinco vezes o seu salário.
Continuo sem entender de política, e devo confessar, também
de futebol.
Estamos no segundo tempo daquela copa de 1970?
Pareço ainda escutar ‘somos 200 milhões em ação, todos
juntos vamos’... ou será que eu estou ouvindo 90 milhões, ou isso é o valor do
metro quadrado de cada coliseu ou arena, como seja, construída em regime de
urgência? O tempo prega peças na nossa memória.
No tempo dos imperadores, Roma dava a cada cidadão o pão de
cada dia (o que era possibilitado pelos pesados impostos da classe média e
despojos de guerra) e propiciava espetáculos circenses, lutas de gladiadores,
lutas de homens e feras e finalmente o martírio dos cristãos, para que o povo
satisfeito se mantivesse calmo, ordeiro e feliz, se é que alienação pode-se
chamar de felicidade.
Na minha ingenuidade ou ignorância política e futebolística,
pensei que a Copa de 70 houvesse acabado
e que agora um novo jogo se iniciava, mas o jogo é o mesmo, a arena é a mesma,
o público interno elitizou-se e ascendeu da geral para a social, o que mudou
foi a cor do padrão e o povo assistindo bem longe, no telão da comunidade ‘pacificada’,
bebendo sua cerveja e comendo seu pão.
Assuero Gomes
Médico e escritor