A freira e a prostituta
Olhar distante, cansado. O velho sem futuro, sem família, sem esperança, perambula sonhando com um passado perdido e com um futuro que nunca chegou. A esposa se foi com a enfermidade precoce, o filho único perdeu-se no mundo do sudeste. A saúde definha, sem emprego, sem remédio.
O olhar instigado pela sobrevivência e fustigado pela desesperança, vê um prédio bonito com uma capela primorosa, impecável na sua limpeza. O entra-e-sai de vidas consagradas, em impecáveis hábitos reluzentes. No outro lado da praça, prostitutas fazem ponto, à espera de clientes que não vêm, e miram com seus olhares, arredios, as irmãs tão religiosamente trajadas.
O velho toma coragem como um asmático que toma um último fôlego e vai até a porta do convento, e baixinho saúda a irmãzinha, que sai apressada e responde antes mesmo de ouvir o interlocutor: “não tem não, damos a sopa nas sextas-feiras, venha neste dia”...E o velho aguardou uma outra, mais velha, que parecia ser a superiora. Esta andava mais devagar, talvez pela artrose nos joelhos ou por tanto se ajoelhar, nas suas preces diárias: “bom dia, a senhora podia me escutar um pouco?” “Estou muito ocupada, temos a novena de nossa santa fundadora, que é pela sua canonização, fale com a secretária na portaria do convento, nas sextas-feiras, de tarde” e saiu andando mais rápido. O velho ficou sem poder falar e sem entender o que ela queria dizer com canoniza..o que? E assim ficou ele tentando falar com as freiras, sem muito êxito.
Do outro lado da rua, a prostituta mais velha, que atendia naquele dia pelo nome de Madalena, como não tinha arranjado nenhum cliente até então, ficou olhando o desespero daquele pobre, e sentiu misericórdia dele.
Foi até ele, e chamou para sentarem no banco da praça. Escutou sua história de vida. Não era nem melhor nem pior que a sua. Apenas escutou. As freiras que já estavam voltando para o convento, observaram o velho com a nova companhia no banco, e murmuraram entre si.
Madalena, tomada de compaixão, levou o velho para seu quarto, num pardieiro bem decadente. Deu-lhe um banho, enxugou-lhe o corpo, cuidou de algumas feridas nas pernas, requentou a comida que estava ainda na panela em cima do fogão, comeram juntos aquela refeição. Depois se deram as mãos e deitaram juntos, trocando algumas carícias. Sofridas carícias. Misericordiosas carícias. Misteriosas carícias. Enquanto a pouca distância, do outro lado da praça se entoavam hinos de louvor, bem altos, como a querer abafar o grito das consciências torturadas, por séculos e séculos de culpas sepulcrais, caiadas de branco por fora. E quanto mais alto cantavam e badalavam seus sinos, mais profundamente o velho dormia seu sono de paz, com um sorriso suave nos lábios, como há muito tempo, não se sorria mais.
Assuero Gomes
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