A viúva de Naim
Assuero Gomes
Cristão católico leigo da arquidiocese de Olinda e Recife
assuerogomes@terra.com.br
“Logo depois, Jesus foi a uma cidade chamada
Naim, e com ele iam os seus discípulos e uma grande multidão. Ao se aproximar da porta da cidade, estava
saindo o enterro do filho único de uma viúva; e uma grande multidão da cidade
estava com ela. Ao
vê-la, o Senhor se compadeceu dela e disse: ‘Não chore’. Depois, aproximou-se e tocou no caixão, e os
que carregavam pararam. Jesus disse: ‘Jovem, eu digo, levante-se! O jovem sentou-se e começou a conversar, e
Jesus o entregou à sua Mãe.”
Naim era uma pequena povoação nas imediações do Monte Tabor. Seu nome
significa algo como ‘charmosa’. Imagino esta cena se passando no Planalto
Central. Imagino na alegoria, a pátria amada como uma viúva que enterra seus
filhos. Certamente ele morreu de morte matada, ou à bala ou à faca em algum
cruzamento. Poderia ter sido de alguma das viroses epidêmicas que assolam a
cidade de Naim. Ela chora, e seus conterrâneos choram com ela. É um cortejo
fúnebre, pois sua descendência está morta, seu futuro e seu sustento imediato
estão mortos.
Por sua vez outro cortejo chega a esse sítio. É um cortejo diferente.
Embora não estejam rindo, estão caminhando a serviço do outro. São dois
cortejos. Duas maneiras de caminhar. Um caminha para a morte. O outro para a
vida. No primeiro era proibido até mesmo se tocar no caixão, pois tudo de um
morto era impuro. A lei, o costume, a tradição o proibia. É a pureza ritual. A
multidão acompanhava, mas não se podia fazer mais nada, apenas ouvir o lamento
triste da mãe e ver suas lágrimas derramadas no derradeiro caminho.
No cortejo da vida não há nada impuro. Impuro é não ajudar, não
acolher. Jesus não espera o pedido nem a súplica. Ele vê o sofrimento da mulher
e toma a iniciativa. Toca o caixão. Nessa hora muitos o criticaram. Era um
impuro também. Mas o caminho dele é o caminho do serviço e da vida. Não há
excluído, por mais impuro que esteja, por mais morto que esteja.
Imagino, na minha alegoria, o dia em que a nação se encontre com a
multidão das pessoas comprometidas com a vida, com o cuidar, com o acolhimento.
Imagino a multidão que vai enterrar o filho da viúva, se encontrando no meio do
caminho e estupefata vendo o que estava morto se levantar, e conversar, se
abraçar finalmente com sua mãe, e retornarem ao caminho da vida.
Nesse dia, os que acompanhavam a morte sentir-se-ão compelidos a
refletir sobre o que levou ao desfecho fatal, o filho da viúva de Naim. Uma
viúva naqueles dias era uma pessoa totalmente fragilizada, pois a sociedade não
permitia às mulheres, trabalharem fora de casa. O sustento econômico da família
dependia exclusivamente do marido, e quando este morria, cabia ao filho homem
essa função. A viúva nossa de cada dia, continua de certa forma excluída e
explorada, e lá em nossa Naim seus direitos são subtraídos, pois o dinheiro que
lhe seria destinado é desviado.
Há quem diga a ela, ‘não chore’, há quem até toque
no caixão, mas não há quem soerga seu filho. Mais que fé, mais que alarde e
orações, é necessário agir para que os fatores que levam à morte os jovens
filhos da viúva sejam transformados em condições de vida, e vida plena!