D. Marcelo Carvalheira
Hoje o vejo com a face serena repousando ainda na Sé de
Olinda, com as vestes episcopais e uma cruz de madeira no peito.
Antes de seguir para Guarabira e depois João Pessoa,
descansa um pouco, perto do Dom, de Lamartine e de Pe. Henrique.
A cabeça voltada para o altar e os pés para a porta da
catedral, como se velam os bispos e os padres. Aqui bem perto do Seminário e do
Mosteiro de São Bento.
As paredes e os pátios do Seminário Maior Nossa Senhora da
Graça, fundado em 1800, podem ouvir o jovem e brilhante seminarista com 16 anos
adentrando naquela casa em 1944 e em poucos anos seguir para a Universidade
Gregoriana em Roma até 1956, tendo sido ordenado em 1953.
O que minhas lembranças sobre D. Marcelo me permitem dizer
com a liberdade de quem não é historiador, apenas um amigo e admirador?
Era o menino dos olhos de D. Helder, diretor espiritual e
professor de teologia do seminário e primeiro reitor do seminário do Regional
NE II da CNBB, um dos assessores mais próximos do Dom.
Foi preso pelo regime militar e torturado psicologicamente.
Conta que muitas vezes, durante a prisão, seus algozes faziam interrogatórios
exaustivos acerca de uma carta que recebeu em grego de um amigo seu e os
militares pensavam que era um tipo de código. Muitas vezes o colocaram encapuzado
num carro e ameaçavam com morte próxima, outras vezes mostravam notícias de
escândalos da Igreja para fazer com que ele desanimasse e entregasse alguns
outros presos, um dos quais viu morrer na cela. No último ‘passeio’ encapuzado
ele temeu, pois pela primeira vez ninguém falava nada. Silêncio. O carro parou,
o levaram para uma casa e quando lhe desvendaram ele estava na casa de um dos
torturadores, talvez o chefe, e este pediu para D. Marcelo abençoar seus
filhos. Depois o colocaram de novo no automóvel, sem visão, deram muitas voltas
e o soltaram num lugar ermo.
Esperávamos que ele fosse suceder a D. Helder, mas nos
bastidores de Roma falaram que era para proteger a própria vida dele que assim
não fizeram. Passado algum tempo foi nomeado primeiro bispo de Guarabira (na
Paraíba) em 1981. Em 1995 foi nomeado arcebispo da arquidiocese da Paraíba
(João Pessoa) onde ficou até 2004.
O espírito de D. Marcelo é beneditino. Absorveu e, na medida
do possível, praticou o espírito de São Bento. Praticava a ascese. Teve no
Mosteiro de São Bento de Olinda a sua casa materna e paterna, sempre. Os seus
últimos dias passou na casa da família no bairro das Graças, aqui em Recife.
Tive uma alegria especial, pois há pouco tempo, fui juntamente com D. Fernando
Saburido (beneditino) e com o diácono Mivacyr Lima visitar D. Marcelo e levar a
eucaristia.
Quem o ver sereno e tranquilo assim, como eu o estou vendo,
não imagina as tribulações que este amigo de Deus passou e o testemunho vivo
que prestou da presença de Cristo junto aos irmãos e irmãs de todo Brasil,
especialmente os mais carentes. Cumpriu na carne o cuidado com os famintos, os
sedentos, os nus, os doentes, os presos e os perseguidos.
Agora de despede de sua Olinda e Recife, de sua Guarabira e
de sua querida João Pessoa, no último passeio, sem vendas nem limites, um
passeio pleno de luz.
Assuero Gomes
Cristão católico leigo da Arquidiocese de Olinda e Recife
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