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domingo, 11 de março de 2012

Entre o tempo e a eternidade





Entre o tempo e a eternidade



Uma vela acesa e o sol. O médico e a medicina. A brisa e o Espírito. A idade e a sabedoria. O fracasso e o gesto de carinho. A morte e a vida. O casulo e o voar da borboleta.

Somos feitos de tempo e de eternidade.

Areia do deserto e areia da ampulheta. Pó e pó.

Somos feitos de encontros e encantos. Somos uma tarde de crepúsculo inserida em todas as auroras. Seríamos uma flor morta inserida em uma das primaveras que virão, não fosse a eternidade. Somos pão e somos carne.

Somos um poço, uma lagoa, dentro de um mar sem fim. Somos um ponto azul mergulhado no infinito do céu. Um grão de trigo que vai ser triturado na boca do faminto. Somos uma prece entre uma dor e uma esperança.

Há uma linha, tão tênue, tão tênue, que separa o poema da noite, no último verso do dia. Nessa linha dependuramos nossos sonhos, nosso tempo, nossa madrugada. Somos crepúsculo e amanhecer do sexto dia, porque no sétimo há a eternidade.

A terra pertence ao tempo, mas sua beleza à eternidade. Vida inserida em vida. O homem e a mulher pertencem ao tempo, mas seu agir à eternidade. As letras pertencem às palavras, que são do tempo, mas a idéia, mãe das palavras, é eterna. Os médicos são como as palavras, mas pertencem ao eterno, pois curam, saram, acalentam, consolam. Serão apenas passageiros do tempo, mas cidadãos da eternidade.

O barco no horizonte é do tempo, mas a beleza e a serenidade que lhe exprimem são da eternidade. O envelhecer, o cansar, os anos, as décadas, são do tempo. A vida, no entanto, é da eternidade, e esta ninguém a tira, ninguém a dar, senão Aquele que é a fonte, que traz a eternidade entre as mãos, que caminha entre os tempos e acorda antes da primeira aurora.

Entre o tempo e a eternidade assim navegamos. Sobre o mar, sob a chuva. Sobre a areia e sob a poeira. Somos proteína e sal, água e vento. Açúcar e veneno. Somos luz que é da eternidade e somos sombra que não é nada.

A medicina é eterna enquanto perdura o cuidar do outro. A medicina é finita quando já não há o outro, quando já não há quem cuide. A medicina é velha quando já não houver a alegria dos acadêmicos nos corredores dos hospitais-escola com a descoberta de um sintoma no paciente estudado, quando já não se souber o nome do professor, quando houver apenas o preço. A medicina morrerá quando já não houver tempo para se escutar o crepitar do entardecer na voz e no murmúrio vesicular do paciente, quando já não houver quem olhe para a lágrima da mãe do enfermo, quando não mais se alegrar nosso coração ao atender um colega ou um seu filho e a antiga honra da escolha não mais significar. Porque honra, dignidade, carinho, cuidado, um olhar, um escutar, são da eternidade.

A medicina sairá do tempo para entrar na morte, quando se receber alguma vantagem por prescrever algum fármaco, ou se indicar algum exame desnecessário por tão vil motivo, ou se enriquecer através da exploração do trabalho do colega.

Antes, muito antes do tempo, há a eternidade. Nela habitava apenas o Altíssimo, o Único na sua infinita Trindade. Por não se conter de amor, chamou a si as criaturas, através da Palavra, e plantou-lhes três grãos: o grão da eternidade, outro grão da liberdade e o mais importante, o grão do amor.

Somos filhos e filhas da eternidade, e o tempo só nos consome devido ao mau uso desses grãos. Com o segundo, sufocamos o terceiro e assim perdemos, por um tempo, o primeiro. Eis assim uma busca incessante que se inicia ao romper da bolsa das águas e jamais cessa, até retornarmos à eternidade, de onde nunca deveríamos ter saído. Somos peregrinos do tempo, caminheiros da eternidade.



Assuero Gomes
assuerogomes@terra.com.br




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