E A ESPIRITUALIDADE
DO CONFLITO
Irmãs
e Irmãos ,
O
Grupo nos
convida para refletirmos juntos
sobre “Dom
Helder e a espiritualidade do conflito ”.
Jesus
veio para que todos
tenham vida , vida
boa e abundante . Todos
nós sabemos que
o querido e grande
Cearense Helder Pessoa
Camara aqui em
Fortaleza , no Rio
de Janeiro , em
Olinda e Recife , no Nordeste ,
no Brasil, na América Latina e no Mundo gastou sua
longa existência
de 90 anos para
servir à vida ,
ajudando a vida a desabrochar ,
dando chances à vida ,
zelando pela vida ,
protegendo, defendendo e promovendo a vida .
Ele se entristecia profundamente
quando a vida
– tanto nas Sociedades
como nas Igrejas
– era machucada ,
ferida , pisada ,
explorada, marginalizada, escravizada. Em
conseqüência de sua
dedicação e atuação
em favor do Reino (que é vida ), ele foi amado e admirado dentro
e fora do Brasil e, também ,
odiado e perseguido tanto nesta Terra como dentro de nossa
Igreja . Ouçamos o nosso
Profeta : “A mão
de Deus está conosco .
Sofrimento é normal na vida humana .
Perseguição é normalíssima na vida
cristã.” (1)
Estamos
celebrando o primeiro centenário
de seu nascimento (1909 – 7 de fevereiro – 2009) e por
toda parte
surgem acontecimentos que o homenageiam. Promovendo a Semana
Dom Helder Camara, O Grupo deseja colaborar para manter
viva sua
memória e acesa
a chama de seus
ideais . Há homenagens
que correm o risco
de abafar essa memória ,
de enfraquecer esses
ideais , essa herança .
Há pouco houve, no Recife ,
a Jornada Teológica
Dom Helder Camara, organizada pela 12ª vez pelo Grupo Igreja Nova . Na
ocasião o Movimento
de Mulheres Contra
o Desemprego alertou: “’Ai de vós quando todos
falarem bem a vosso
respeito , pois
foi assim que
trataram os falsos profetas ’
(Lc 6,26). Como todo
profeta verdadeiro ,
a exemplo de Jesus, Dom
Helder foi um ‘sinal
de contradição , motivação para
uns e escândalo para
outros ’ (Cf. Lc 2,33). Sua voz corajosa e coerente
confortava e, ao mesmo tempo , incomodava, dividia mentes
e corações , sempre
em nome
do Evangelho . Estamos celebrando o centenário de seu
nascimento e corremos o risco de transformar essas celebrações
em uma demonstração
de falsa unidade .
Pessoas que
o perseguiam ou lhe
negavam apoio nas horas
difíceis, agora o aplaudem de público . Por trás disso esconde-se a sutil
tentativa de camuflar a memória ‘perigosa’ do profeta ,
servindo-se da sua morte
para esvaziar a sua profecia .
Vivemos atualmente , na Igreja e no Mundo ,
um tempo
sem profetas
e profetismo.” (2)
“Dom Helder e a espiritualidade do conflito
dentro de nossa
casa de fé ,
a Igreja ”.
No
dia 11 de maio
de 1970, Dom Eugênio Sales , então arcebispo de Salvador da
Bahia, escreve a seguinte carta .
“Meu caro Dom Helder, em minha última viagem à Roma, semanas
atrás , tive uma audiência com o Santo Padre . Em certo momento ele
perguntou por você
e pediu-me que lhe
transmitisse o seguinte : ter
mais calma ;
não sair muito da diocese .
Manifestou, expressamente , apreço pelo seu trabalho no Rio . Tenho diante dos
olhos a nota
que fiz quando
retornei à casa , para
não me
esquecer . Pareceu-me claro
e evidente que
ele deseja
de você moderação. E aprecia mais
o Dom Helder do Rio
do que o de Recife .
Falei-lhe de sua devoção
e obediência , sem
limite , ao Papa .
Ele me
respondeu que bem
o sabia e revelou uma estima bem
grande por
você . Parecia também
consciente de nossa
amizade . Meu
querido amigo ,
sei que lhe
custa saber o
que está dito
no início . Recebi expressamente
uma tarefa de alguém
a quem nós
dois servimos com
devoção .” (4)
Vejamos
o que aconteceu exatos
15 dias depois ,
na França. Dom Helder tinha uma palestra
marcada para o dia
26 de maio em
Paris, prevista para
ocorrer num auditório
com capacidade
para 2.500 pessoas ,
mas uma hora
depois de iniciada
a venda dos ingressos ,
na manhã do dia
25, os organizadores mudaram-na para o Palácio dos Esportes , onde
caberiam aproximadamente 10.000 pessoas .
“A responsabilidade da França diante da Revolução ”
era o título
da palestra que
preparara. Mas na casa
do cardeal François Marty, arcebispo de Paris, um
grupo de 25 pessoas ,
várias autoridades eclesiásticas e
leigas, cobraram-lhe uma palestra com outro conteúdo , que
falasse “a verdade sobre
o Brasil daquele momento ” e denunciasse
as torturas que
“sabiam existir ” no Brasil. Ele
teve de deixar de lado
a conferência que
preparara, e falar de improviso
no Palácio dos Esportes ,
naquela noite com
sua capacidade
de lotação superesgotada: alem das 10.000 pessoas que
completam essa capacidade , outras 10.000
– segundo todos
os jornais e revistas
de Paris, na ocasião – ficaram do lado de fora .
As fotografias testemunham a superlotação . Segurando em
uma das mãos uma rosa
vermelha que
recebera de presente na entrada ,
Dom Helder introduziu o tema de sua palestra , explicou o título
– “Quaisquer que sejam as
consequências”, que prenunciava sua intenção polêmica e passou a contar dois exemplos concretos e comprovados de pessoas
torturadas: o do estudante Luis Medeiros
de Oliveira e o do frade
dominicano cearense Tito de Alencar. Assim que
terminou, o cardeal Marty, que o ouvira da primeira
fila , correu para
cumprimentá-lo, já prevendo as
consequências da palestra : “Pastor da cabeça aos pés . Pastor na explicação e nas respostas .
Aconteça o que acontecer ,
estará sofrendo como Pastor .
Direi isso ao Santo
Padre ”. (5)
Na
noite de 11 para
12 de outubro do mesmo
ano de 1970, o Dom
escreve, numa carta a Dom Eugênio Sales ,
a seguinte alínea :
“O que me
parece fora de dúvida ,
tangível , é o mistério
de esmagamento, na véspera de viagens que me parecem expressivas e de grande
responsabilidade . Os homens se movem e Deus
os conduz. É tão clara
a Mão da Providência
purificando a peregrinação da paz de qualquer
oculto perigo
de vaidade e orgulho !!...
viajo, humilhado, vencido interiormente .
Como entendo o brado
de Cristo : ‘Meu
Pai , meu
Pai , por
que me
abandonaste!?...’” (6)
“Dom Helder e a espiritualidade do conflito
dentro da nossa
casa da humanidade ,
o Mundo ”
Jesus
botava gente fora
do Templo , chamou pessoas
de hipócritas , de túmulos
caiados, de raposas , de guias cegos , de
geração má e adúltera .
Pregou em outras a etiqueta
“raça de víboras ”.
Conhecemos o seu “Ai de vós !” (8). O Jesus de Nazaré dos Evangelhos
tem um outro
rosto que
o dos “doces santinhos” da Itália, e é, seguramente , menos
“bonzinho” do que Ele ,
muitas vezes , é apresentado em show-celebrações.
O
Dom também
era um
showman, mas , pisando com os dois pés no chão da realidade nua e crua da vida
neste mundo , e agindo corajosamente , procurando não
somente aliviar dores agudas, mas
igualmente se doando para
arrancar os males
pela raiz .
Procurava remediar dores
e combater causas .
Batalhava contra os males
pessoais e contra
os coletivos .
Nasci
em janeiro
de 1939, à porta da segunda
guerra mundial. Como
criança vi em
minha terra natal , a Holanda, vida
ser destruída pelo inimigo sob o slogan “Befehl ist Befehl” – ordens
são ordens .
Setenta anos após
o início daquela guerra
e 45 anos depois
do Concílio Vaticano
II que proclamou a grandeza
do Povo de Deus ,
ouve-se, no Mundo e na Igreja , quase que sempre , ainda o mesmo mandamento em lugar do convite ao amor .
§ “Temos que viver e fazer
viver o Evangelho
e as lições fundamentais
de Cristo ”.
§ “Não basta
esforçar-nos para levar o
Brasil a conhecer mais ,
ter mais , produzir mais ; ele precisa , com urgência , é
de ser mais ”.
João
Pubben
(1)
Nelson Piletti e Walter Praxedes. Entre o poder e a profecia . Página
378.
(2)
Movimento das Mulheres Contra
o Desemprego. Mensagem do dia
25 de agosto de 2009, no Recife .
(3)
Luiz Carlos Luz
Marques e Roberto de Araújo Faria. Dom Helder
Camara – Circulares Conciliares .
Volume I Tomo
I. Página 430.
(4)
Carta de Dom Eugênio Sales
para Dom
Helder Camara, de 11 de maio de 1970.
(5)
Nelson Piletti e Walter Praxedes. Dom Helder Camara – O Profeta da Paz . Páginas
317 a 319.
(6)
Carta de Dom Helder Camara para Dom Eugênio Sales ,
de 11/12 de outubro de 1970.
(7)
Carlo Tursi. Não pensem que eu vim para trazer paz
à terra . . . ! (Mt 10,34), em
Boletim Semanal
“ANOTE”, setembro de 2009.
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