Um grupo formado por leigos e leigas está se reunindo mensalmente, na Igreja das Fronteiras em Recife, Brasil, para meditar sobre assuntos ligados à teologia e à prática cristã, assim como eclesiologia, à luz da inspiração de D. Helder. O monge beneditino Marcelo Barros é quem coordena. Publico a seguir o texto que serviu para nossa reflexão passada.
A eucaristia e o
laicato
Marcelo Barros
Esse título parece impróprio
porque comumente a missa é associada aos padres e o laicato tinha como função
apenas “assistir missas nos domingos e festas de guarda”. Entretanto, quando
aprofundamos o sentido da eucaristia, descobrimos que todos os cristãos batizados
são ou deveriam ser protagonistas importantes e mesmo celebrantes da missa.
Toda a comunidade cristã é continuadora da comunidade dos discípulos reunidos
na ceia, aos quais, segundo o Evangelho, Jesus disse:
“Tomai e comei, todos vós...”
(sem distinção de ninguém).
No século IV, São João Crisóstomo, bispo de Constantinopla, comentava:
“Há um caso em que não há distinção entre quem é padre e quem é leigo: é quando
se trata de tomar parte nos santos mistérios. Todos somos julgados dignos dos
mesmos privilégios. (...) Um mesmo corpo é oferecido a todos. Há um só cálice
do qual todos bebem. Nas orações, qualquer pessoa que chega em nossas Igrejas
pode ver o povo tomar parte na intercessão. Todos pronunciam a mesma oração
(...) Todos formamos um só corpo. Só nos distinguimos como um membro do corpo
pode diferenciar-se do outro. (...) É preciso sermos na Igreja como em uma
única casa. Ser todos como um só corpo”[1].
De fato, segundo os estudiosos
da Liturgia, os cultos cristãos dos primeiros séculos valorizavam imensamente o
fato de que toda e qualquer pessoa, principalmente estranha ou estrangeira, era
bem recebida na assembleia e dela participava ativamente. “Para os primeiros
cristãos, o acolhimento do estrangeiro tinha uma dimensão teológica. Para
eles, Igreja não é simplesmente um Credo, mas uma realidade viva, uma
fraternidade aberta”[2]. Na
liturgia dominical, os antigos cristãos superaram as divisões de classe do
Império Romano. Ali todos eram iguais. A Igreja possibilitou que escravos
acedessem a todas as funções ministeriais. Só para citar alguns casos, os papas
Pio e Calixto foram escravos e se tornaram bispos de Roma. Um documento do
século IV, a Didascália vê o lava-pés como o sacramento da diaconia e do
diaconato na Igreja. (Didasc IX, 26).
Nomes e dimensões que a eucaristia tomou no decorrer da
história:
1 – Ceia do Senhor.
2 – Partilha ou fração do pão.
3 – Eucaristia – ação de graças.
4 – Missa
5 – Sacrifício do altar.
6 – Presença real.
7 – Sacramento da unidade e da comunhão.
8 – Profecia de um mundo novo.
Palavras
de Santo Agostinho no século IV:
“Você
quer compreender o que é o Corpo de Cristo? Escuta o apóstolo dizer aos fiéis:
“Vocês são o corpo de Cristo e seus membros”. Se, portanto, são o Corpo do
Cristo e seus membros, é o próprio símbolo de vocês que repousa sobre a mesa.
Quando vocês recebem o pão na comunhão, devem responder “Amém” ao que vocês
próprios são. Vocês é que são o corpo de Cristo. Responder Amém quer dizer:
Assim seja. Esta resposta marca a adesão de vocês. Seja um membro do corpo do
Cristo para que o seu amém seja verdadeiro. (...) O Apóstolo que nos declara:
“Mesmo numerosos, somos um só corpo”. O pão não é formado de um só grão, mas de
muitos. (...) Para dar ao pão uma aparência sensível, misturou-se na água grãos
numerosos que formaram uma mesma massa, símbolo dos primeiros cristãos: “Eles
não tinham senão um só coração e uma só alma para Deus”. O mesmo vale para o
vinho.
Os grãos caem do cacho numerosos,
mas se fundem em um só e mesmo licor. Tal é o modelo que nos deu Nosso Senhor
Jesus Cristo. Ele quis que aderíssemos a ele e instituiu sobre a sua mesa o
sacramento de nossa paz e unidade. Aquele que recebe o sacramento da unidade
sem guardar o laço da paz, recebe, em vez de um sacramento que lhe fortaleça,
um testemunho que o condena” (Santo Agostinho, Sermão 272).
Em 1959, dizia Karl Rahner: “A
celebração cultual exige uma tradução no plano da existência. Se no modo de
viver das pessoas que celebram a Missa, a comunhão que dela decorre não é uma
realidade existencial, esse modo de viver não pascal priva do seu sentido a celebração
(...). Isso quer dizer que a comunhão na vida é condição prévia e necessária
para a comunhão na Eucaristia. (...) A Missa não vivida priva a missa celebrada
de uma característica essencial: a de ser expressão sensível e sacramental de
uma forma de viver: a do Cristo”[3].
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