A caverna de Paulo, o terceiro
Conta-se uma lenda piedosa da Idade Média, que havia um
grupo religioso de ermitões que, embora vivessem juntos, eram como que
isolados. Viviam numa caverna e o carisma de seu fundador, chamado de Paulo, o
terceiro, era o de viverem acorrentados com as costas voltadas para a entrada
da referida caverna, de cuja entrada emanava a única luz possível naquele
recinto. Os religiosos eram proibidos terminantemente de voltarem o rosto para
trás e verem de onde vinha a luz.
Oravam praticamente o dia todo e perseveravam no jejum e na
mortificação corpórea. De tanto ficarem nesse carisma e posição, imaginavam que
não existia mais nada fora da caverna, e se contentavam com as sombras emanadas
de suas esquálidas figuras, projetadas na parede.
Paulo era o único que sabia da vida lá de fora, mas temeroso
que o grupo se dispersasse, contava histórias assombrosas e terríveis, de
monstros, demônios, dragões, almas penadas, infernos loucos e purgatórios
intermináveis. Fora da caverna não havia salvação.
Para salvaguardar o grupo de tais ameaças, eram proibidos
quaisquer tipos de leituras e conversas, amizades ou confidências. A chave que
libertaria das correntes os pobres monges, foi enterrada bem escondida, para
sempre.
Aconteceu que morrendo Paulo, de velhice, já bastante caduco,
o pequeno, esquálido, esfomeado e acorrentado grupo, perecia a cada dia,
parecendo ser a morte o único e trágico destino para eles. A morte seria sua
salvação, senão do corpo, mas a da alma, sendo essa verdadeiramente a que
importava.
Já cheirava mal o corpo do fundador, que não podendo ser
retirado daquele exíguo recinto, por motivos óbvios, foi precariamente envolto
em trapos e colocado num lugar de destaque perto da parede da projeção das
sombras. Com o movimento natural do sol tinha-se a impressão que o corpo se
movia, pois as sombras mudavam de lugar conforme a hora do dia.
A lenda conta que depois de muitos anos, a caverna foi
encontrada por peregrinos e estes vendo aqueles esqueletos insepultos e
acorrentados, foram tomados de grande veneração e que ali acontecem milagres
até os dias de hoje. Uma intensa romaria enche de visitantes os arredores e
trás um bom desenvolvimento naquela área.
Eu preferiria que a história não acabasse assim.
Imagino que em seguida à morte de Paulo, o terceiro, um viajante
passando por aquelas paragens, deixou cair algumas páginas de manuscritos. O
vento teria soprado em todas as direções, e numa delas levado uma das folhas de
pergaminho caverna adentro. Poderia ter sido justamente aquela página de João
que diz “Deus é Amor”.
Imagino o dia que se fez dentro da caverna quando um deles
conseguiu ler e interpretar com o coração o que significa Deus é Amor, e de
como em seguida como se fosse dia pleno tivesse conseguido se libertar e sair
da caverna, e vendo a luz do sol, descobrisse a Verdade e voltado libertasse os
irmãos.
Assuero Gomes
Nenhum comentário:
Postar um comentário