Sobre a Saudade
A saudade às vezes pesa demais, pois nem sempre é só cinzas
ou papel desbotado, nem música nem olhar; às vezes corta ou apunhala
traiçoeira, como uma palavra inesperada num momento inoportuno.
Pode ser sutil ou atrevida, inconstante ou perpétua, mas
lateja, arde e queima, devagarzinho assim como quem não chega, chegando, no
inverso universo do espelho onde quem parte está voltando e quem vai chega, mas
quem chega já partiu.
A saudade às vezes pesa tanto que tem que se dividir com
alguém, uma saudade partilhada, para se sobreviver. Um vento que sopra contra a
face pode trazê-la, numa tempestade ou num acalanto. Mantêm-se incógnita por
muito tempo, assim latente e como um peregrino que chega ao seu destino se
inflama em transe e bate no dorso como a ponta do suplício. Dói, como dói,
entre partidas definitivas ou entre lapsos de tempos vazios de espera.
Saudade é a presença ausente, é o desafeto do afeto, é a dor
doída e a lágrima retida.
A saudade é irmã fatal da solidão, como nesse depoimento
colhido entre lágrimas secas:
“... e a solidão era tanta que eu perguntei a ela qual o
momento no qual estivéramos mais unidos. Ela abanou a cabeça como se não
soubesse ou como se não importasse. Eu lembrei então de toda nossa trajetória
juntos. Havia se passado uns bons cinquenta anos, talvez cem, ou a eternidade,
talvez trinta para não exagerar, mas é porque quando se está só, o tempo se
torna turvo.
Continuei falando sozinho, como se não houvesse mais ninguém
na sala, nem no quarto. E realmente havia?
A ironia é que depois de muito pensar, descobri que o
momento em que estivemos mais unidos, foi no momento da separação, um pouco
depois do natal, quando deixamos nosso filho e voltamos sozinhos para o outro
lado. Escondíamos nosso choro silencioso um do outro e dele. Foi uma
cumplicidade extrema e ela, a solidão, e eu, jamais fomos os mesmos a partir
daí. Por mais que nos aproximássemos ela se afastava e eu também ...” Ou ainda:
“ sempre nos restará os momentos que passamos juntos, esses ninguém nos poderá
roubar”.
Há saudades suaves, mornas, tênues, que acariciam nosso
coração. São lembranças de um tempo que não retorna, são momentos que pareciam
tão insignificantes, gestos banais, lugares comuns, guardados amiúde, perfumes
fugazes, e agora retornam para nos consolar. Saudade de pessoas que nos fizeram
bem, que foram como anjos de almíscar que deixaram suas impressões benéficas
nas nossas vidas e seguiram em frente.
A saudade preenche os espaços vazios dos corpos celestiais e
dos nossos, é a sabedoria do sentir, o consolo do desespero, enfim, a saudade é
tão humana, tão humana, que move nossos corações e destinos para o Criador.
Assuero Gomes
Médico e escritor.
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