A
última lição de D. Helder
Hoje, 17 de agosto de 2012, na Sé de Olinda, procedemos à
exumação dos restos mortais de D. Helder. Manhã fria e chuvosa de agosto.
Depois de praticamente treze anos sepultado no chão dessa
igreja, seus restos mortais repousarão ao lado dos de D. Lamartine, bispo irmão
que o auxiliou no pastoreio da Arquidiocese de Olinda e Recife e dos de Pe.
Henrique, mártir da ditadura que se instalou no nosso país a partir de 1964.
Envolta em seu caixão ainda restava a bandeira do Movimento
dos Sem Terra, intacta, na época, um símbolo da luta de camponeses em busca de
um pedaço de terra para plantar e sobreviver com suas famílias. Lembro-me do
dia do enterro.
Confesso que nutria em meu íntimo a esperança de que o corpo
dele estivesse intacto também, tal qual a bandeira, pois no meu pensamento isso
seria um sinal poderoso para a Igreja, de que o Dom é um santo e como tal, tudo
que ele lutara e escrevera e sinalizara teria que ser aceito oficialmente.
Ledo engano. Mais uma vez o profeta surpreende! Mais uma vez
ele nos mostra que os pobres é que são os profetas de Deus.
Lentamente ele nos vai ensinando sua última lição, ou seria
a primeira na vida plena? Não importa, é uma lição importante, um ensinamento
para nós e para nossa Igreja: tudo passa, prestígio, glória, cargos, poder.
Tudo é pó e ao pó tudo retorna. Outro ensinamento: os pobres são os
destinatários primeiros da boa nova do Ressuscitado, pois só Ele é quem saiu do
túmulo com vida, e vida plena.
Pouco a pouco a morte vai mostrando aos olhos humanos o
estrago que causa, mesmo nas pessoas mais especiais e queridas. O som lúgubre,
oco, de saudade, destampa as lajes do chão da Sé. Outra surpresa, o Dom foi
sepultado como os leigos o são, com a cabeça voltada para a porta, e não ao
contrário, como os clérigos. O que o desgaste da morte não mostra é o que os
olhos da fé iluminam, como uma luz vinda do alto a nos perguntar: por que
procuram o vivo dentre os mortos?
A resposta veio-me algumas horas após. Saindo dali, deu-se à
luz uma criança, nos meus braços, saudável, chorando forte a plenos pulmões,
inspirando e expirando o sopro da vida, o pneuma que a tudo anima.
Certamente mais um sinal do Dom, ensinando que a vida é
eterna.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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