O parto no circo
Era uma bela trapezista daquele
circo chamado Circo Brazil. Mambembe, ia de cidade em cidade, lugarejo em
lugarejo, por toda parte desse imenso país, declinando sol a sol, o circo. Um
belo dia apareceu grávida, não se sabia se era do anão palhaço de calças rotas
ou de algum motoqueiro transeunte de algum posto de gasolina nas estradas.
Uma menina sonhadora que queria
dar o nome ao filho de Macunaíma, pois assistira ao filme e vira Grande Otelo
vestido de bebê. Achou aquilo muito engraçado e olhando para o anão lembrou
logo dele, por isso o resto da trupe apostava que o filho era dele.
Sonhadora, e como o circo não
parava em lugar nenhum, passou os nove meses imaginando um parto ao ar livre,
em plena mata ou mesmo na área descoberta de lona, ou à luz das estrelas ou ao
por do sol. O dono do circo, que tinha obrigação de prestar assistência médica
aos seus artistas fez-se de desentendido e manteve o sonho da trapezista
alimentado pela mulher barbuda e pelo domador de leões (que não existia mais),
românticos, aconselhadores de que um parto natural entre as árvores e os bichos
era o melhor para ela e para seu filho, Macunaimazinho. Nada de hospitais,
maternidades ou médicos, gravidez não era doença e parto era uma coisa natural,
como mel de abelhas e limões.
O Circo Brazil estava tão
decadente que a lona tinha mais perfurações que urupemba gasta. Os artistas e
funcionários estavam tão analfabetos que olhavam os papeis higiênicos e
tentavam ler. As crianças barrigudas de vermes. As atrações circenses de
animais foram sendo comidas pouco a pouco. A proteção da rede sob o trapézio
estava por um fio. O dono do circo desviava os parcos recursos para seu próprio
bolso. Foi quando ele teve uma ideia ‘brilhante’: fazer o parto da trapezista
em pleno espetáculo.
Como estava perto do tempo, o
circo levantou a lona, afastado um pouco do vilarejo, que por sinal não tinha
médico, nem enfermeiro nem mesmo um simples posto de saúde. A mulher barbuda
iria fazer o parto, pois tinha experiência de muitos anos. Havia de ser em uma
piscina para ser bem natural. Com não havia piscina, trouxeram o tanque de
plástico onde o elefante, quando havia, bebia água. Colocaram-na bem no centro,
cheia d’água. O anão, o domador, o bilheteiro, o músico, um gato que eles
criavam e um papagaio.
O apresentador gritava para a
plateia de quase vinte pessoas “hoje tem espetáculo?” e alguns assoviavam e
batiam palmas, “nasce”, “nasce”...e a trapezista se contorcia na banheira do
elefante e gemia cada vez mais alto, a plateia ia ao delírio, “força que vai!”
“força!!!” o anão por sua vez e a mulher barbuda jogando um pouco daquela água
já escurecida nas costas e na cabeça da trapezista, e Macunaimazinho não
nascia.
O público foi se cansando, a
molecada começou a pedir o dinheiro de volta enquanto soltava assovios e
gracejos indecorosos para a trapezista. A água escurecia enquanto a barbuda
tentava limpar com um balde.
O dono do circo de impaciente estava ficando
furioso. O circo esvaziado, a trapezista cansada naquela piscina de água suja,
os ‘parteiros’ não sabiam o que fazer.
Pela madrugada nasceu finalmente
Macunaimazinho, com a cabeça um pouco deformada, largado, sem muita reação. Não
se soube mais dele pois o circo seguiu caminho de fracasso em fracasso, com
seus artistas cada vez mais pobres e o dono se safando como podia. E assim o
Circo Brazil continua parindo seus filhos entre agonias e espetáculos...
Assuero Gomes