Dom Tomás Balduíno, doutor da fé
Marcelo Barros
Nosso profeta
foi para o céu. Essa pode ter sido a reação espontânea de muitos irmãos e
irmãs, companheiros de caminho de Dom Tomás Balduíno que, ao longo da vida,
sentiram-se ajudados e estimulados por ele a seguir Jesus Cristo e a
testemunhar no mundo o projeto divino de justiça e paz. Principalmente os
índios e lavradores, povo da predileção do coração de Dom Tomás, podem hoje
sentir-se órfãos pela partida de alguém que a eles serviu desde a juventude até
o seu último suspiro aos quase 92 anos. Entretanto, tantos eles como nós que
convivemos mais profundamente, ao longo dos anos, com esse verdadeiro pastor da
Igreja, choramos a saudade de sua presença visível, mas nos consolamos por
tantos exemplos e ensinamentos que ele nos deixa como grande profeta de uma
Igreja renovada e renovadora a serviço de um mundo mais justo e de uma
humanidade mais irmã.
Tive a graça de
Deus de conviver com ele e, por um bom tempo, morar na mesma casa. Fui seu
amigo e assessor desde 1977 até agora, quando a sua partida nos separou. Ainda
há poucos dias, conversávamos sobre como apoiar a renovação da Igreja proposta
pelo papa Francisco e ajudar as Igrejas locais a assumi-la. Assim como Dom
Hélder Câmara, no Brasil, Dom Oscar Romero, em El Salvador e Dom Samuel Ruiz,
no sul do México, Dom Tomás soube revitalizar a missão do bispo como profeta da Palavra de Deus para o mundo. Para
os oprimidos do mundo, ele foi realmente, como escreveu o profeta João no
Apocalipse: “irmão e companheiro nas tribulações e no testemunho do reino” (Ap
1, 9).
Exatamente, por
essa sua compreensão da fé e do ministério episcopal, Dom Tomás tornou-se mesmo
para não crentes testemunha autorizada de Jesus, ilustre doutor da fé e de uma
espiritualidade libertadora. Ele nunca restringiu sua missão ao âmbito da
Igreja. Soube sempre ser uma presença de irmão e companheiro solidário com as
lutas sociais do povo, aliado incondicional dos lavradores e dos índios na sua
legítima e evangélica luta pela terra e por uma vida digna. Com 85 anos, Dom
Tomás participou comigo da delegação brasileira que se reuniu na Bolívia com
militantes sociais e intelectuais de todo o mundo para recordar a figura de Che
Guevara no 40º aniversário de sua morte em Valle Grande, Bolívia. Um ano depois,
viajamos juntos a Caracas, como observadores internacionais das eleições
presidenciais da Venezuela. E até o fim de sua vida, sua palavra profética foi
sempre de apoio claro ao caminho bolivariano que aquele povo irmão, com tanto
esforço e incompreensões, empreende. Sua voz forte e clara ressoou em todos os
continentes. A todos ele deixa um testemunho de coragem, confiança no futuro e
opção pela justiça e pela paz.
A tendência
natural é que as pessoas sejam mais abertas e livres quando jovens. À medida
que a idade vai chegando, se tornam menos livres e mais conservadoras. É
verdade que, hoje, em certos ambientes do clero e de algumas congregações, encontramos
jovens mais conservadores e preocupados com a lei do que a geração mais velha.
Mas, isso não é natural. Tem razões e explicações mais estratégicas e menos
espirituais. Não tem nada a ver com o que Deus fez acontecer na vida de
profetas como Dom Hélder Câmara e Dr. Alceu Amoroso Lima ou do papa bom João
XXIII que, quanto mais idosos, mais se abriram interiormente. Eles souberam
renovar-se permanentemente. Quanto mais idosos, mais se tornaram homens livres
e testemunhas da liberdade do Espírito. Dom Tomás percorreu esse processo
espiritual e humano. Nesse caminho, agora, do céu, ele nos convida, a prosseguir
e a aprofundar sempre a mística do reino de Deus e vivê-la no compromisso
social e político junto com os empobrecidos e pequeninos desse mundo. A essas
alturas, Tomás já ouviu de Jesus, seu mestre, a palavra esperada: “Muito bem,
servo bom e fiel, entra na alegria do teu Senhor” (Mt 25, 21). Dom Tomás,
doutor da fé e profeta desses tempos conturbados, rogai por nós.
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