A cidade de Lynch
Tornou-se uma cidade sombria.
Outrora palco de grandes acontecimentos e banhada pelo mar morno e entrecortada
de rios, era radiante.
Foi sendo subjugada por
assaltantes e delinqüentes e os habitantes já não suportavam mais sair à noite.
O dia tornou-se também um inferno de insegurança. Cercada de miséria e sem
perspectiva, com os ricos morando em verdadeiras ilhas de luxo e na outra
margem do rio os jovens miseráveis cobiçando tudo o que a mídia oferecia.
A classe média, cada vez mais comprimida
e oprimida arcava com pesados impostos, e em cada esquina máquinas eletrônicas
de sangrias semafóricas, aterrorizavam seus cidadãos, que num dilema
sheakespeariano não sabiam se era melhor serem assaltados pelas máquinas ou
pelos bandidos.
Apesar dos impostos a polícia era
mal paga, mal aparelhada e para sobreviver fazia conivências com os marginais,
numa promiscuidade anticívica. A cada noite notícias de assaltos seguidos de
morte tornavam-se rotina. Finais de semana com mais homicídios que nas guerras
declaradas entre nações. O limite de pavor estava ultrapassando todos os
limites da racionalidade e da sobrevivência.
Foi quando apareceu um certo capitão chamado William Lynch.
Saturada de políticos, de ongs, de comissões de direitos humanos, de sociedades
protetoras de animais, de advogados, de juízes, de lombadas eletrônicas, de
contas exorbitantes de energia, de impostos e mais impostos, de juros altos, de
falta de emprego, de falta de perspectiva, de tribunais, de pastorais de
igrejas, a população da cidade aderiu aos princípios do capitão.
Em cada grupamento de ruas contrataram seguranças armados com ordem para
atirar ao menor suspeito. Em cada esquina onde havia assaltos armaram uma
milícia que de tocaia em tocaia ia abatendo os marginais. Os membros das
comissões de direitos humanos foram perseguidos, alguns mortos, assim como o
pessoal das igrejas que ainda ousavam visitar presos nas penitenciárias.
Pela doutrina do capitão, bandido bom é bandido morto e quem é amigo de
bandido é bandido também, e quem defende bandido é bandido também. O próprio
capitão com sua guarda especial de elite, visitava periodicamente, de surpresa,
as favelas, arrastando suspeitos que era para dar exemplo. As favelas e as
comunidades pobres foram cercadas com altos muros encimados por grades
elétricas e seus habitantes para entrar e sair passavam por pequenas guaritas
guarnecidas.
Julgamentos sumários, se é que se pode chamar de julgamento, eliminavam os
assaltantes, traficantes e consumidores de drogas. Não se gastava mais dinheiro
com júris, e depois que o capitão descobriu o custo de mais de mil dólares por
mês por cada preso mantido nas prisões e que muitos deles tinham mordomias que
a maioria da população trabalhadora não tinha acesso, ele resolveu acabar de
vez com as penitenciárias e adotou o modelo chinês de que a própria família do
condenado paga a bala que é usada na sua cabeça. Se era duro com bandidos à
paisana, mais ainda o era com os de farda.
O capitão pregava também o não pagamento de impostos até que se saneasse a
corrução, pois ele não via retorno nenhum neste dinheiro extorquido do cidadão,
como também o pagamento de multas, o que ele resolveu, com seu grupo, quebrando
todos as lombadas eletrônicas da cidade. Pregava também o boicote aos aumentos
exorbitantes de preço nas tarifas de energia, água e telefone instigando seus
moradores a fazerem desvios clandestinos e receberem à bala os cobradores.
Acabou com cotas para negros, índios e minorias.
A cidade aderiu quase que por completo às suas idéias, e foi ao delírio
quando ele eliminou, em praça pública, os políticos corruptos.
Não sei como ela está hoje, pois há algum tempo atrás resolvi mudar-me de
lá com minha família, pois estava começando a me seduzir pelas idéias do
capitão.
Assuero Gomes
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