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quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Quem prepara a mesa?







Quem prepara a mesa?

Quem prepara mesa do banquete real? Da festa do embaixador? Da presidenta e sua comitiva? Quem limpa o chão e o carpete? Quem espana os móveis e arruma as cadeiras? Quem lavou a toalha de fino linho e seus guardanapos? Quem polirá os metais nesta noite tão linda? Quem despertou ainda de noite e saiu para levar a galinha, o porco, os ovos para vender na feira para ser comprado pelo mercado e ser vendido aos compradores do palácio? Quem suou e rezou de sol a sol para que chovesse um pouco na hora certa para que o trigo brotasse e a alface não perecesse e a tomate lhe rendesse alguns centavos por quilos?
Quem ceifou o trigo na hora certa e colheu as uvas? Quem foi a Babette e o Vatel na hora palaciana enquanto seus próprios filhos choravam de fome e de abandono?
Tantas perguntas não feitas entre a degustação de vinhos finos harmonizados e entre queijos de deliciosos matizes que jamais serão experimentados por quem realmente os fez. Para que perguntas se a noite está tão galante e o cerimonial impecável?
Quem prepara a mesa do Cardeal e sua toalha carmim e seus punhos brocados? Quem poliu seus talheres de prata? Quem varreu o templo do pastor e limpou seu chão até sangrar os joelhos?
Quem iluminou o salão e abriu a porta principal com um gesto curvo? Quem ficará depois recolhendo o lixo do luxo até cair exausto, para pegar duas conduções até seu casebre? Talvez consiga burlar a vigilância feita por um igual seu e leve algum pedaço de bolo mordido para a filha.
Quem cuida de todas as refeições do mundo de maneira silenciosa e servil para que o alimento chegue à mesa do senhor e da senhora, mesmo que seja desperdiçado. Quem transforma o arado em garfo e em arado de novo e em garfo numa eterna e fatigante jornada invisível? Quem recolherá o desperdício de cada mesa, de cada transporte, de cada safra, de cada manada? Quem paga a conta de quem se alimenta de lixo na terra que mana leite e mel?
A noite continua dançante ao som de uma valsa vienense ou de uma banda de jazz dos anos 40, quem notou a vida do garçom ou da copeira? Senão apenas as notas da canção e a agilidade da bela moça de decote vermelho que pulsa roubando a atenção de quantos se veem cegos no salão como num perfume de mulher.
Quem prepara a mesa é o mesmo que paga a conta, sem ser convidado para o banquete, como um fantasma que ronda a Europa na festa do baile da ilha fiscal.
Lá fora, muito do lado de fora, longe mesmo, lá onde não se ouve a música nem os gemidos de prazer dos comensais da festa, um estranho de cabelos longos e barba crespa, olhos sofridos de esperar e pés empoeirados de caminhar, prepara a mesa de tábua de caixote e tamboretes de resto de feira, amassa o trigo que sobrou e prepara o pão; no mesmo movimento amassa a uva e fermenta o caldo, e prepara o vinho. Seu coração arde em compaixão e seu olhar cintila como se algumas estrelas na noite se derramassem na mesa, para iluminar a refeição partilhada, que ele vai comer com todos os que não puderam entrar no baile e aqueles que prepararam a mesa dos outros e não puderam se servir.


Assuero Gomes
Cristão católico leigo da Arquidiocese de Olinda e Recife

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