A Vida além da Morte
Intrigante o movimento que nosso corpo realiza desde o ventre materno. Da sua concepção as células vão se multiplicando e se diferenciando, num contínuo evoluir. Levarmos em conta que os átomos que nos compõem são os da mesma estirpe dos que são formadores das estrelas, das anêmonas, dos frutos silvestres, das explosões galácticas, do ar, mais assombrosa ainda é a jornada do nosso corpo nesta Terra.
A cada período de tempo é renovada a nossa complexa plêiade de células, de tal maneira que após alguns anos nenhuma delas, das que nos deu origem, com sua intimidade molecular, existe. Vamos sendo renovados constantemente, porém nossa unidade permanece. Nossa unidade permanece, soberana, intocável, eterna.
O mistério reside aí.
A vida se manifesta no corpo dos seres vivos de maneira maravilhosa. O corpo e a vida estão intrinsecamente ligados, mas tão ligados, que se confundem.
A nossa unidade se mantém mesmo quando nosso corpo está mutilado. Somos os mesmos desde crianças, somos os mesmos no sofrimento e no gozo, na agonia e no êxtase. Somos únicos dentre todos os que já foram e que serão e ainda que poderiam ter sido.
A vida soberana vai seguindo sua linha através dos corpos, e os anima. Senhora de toda carne e de todo ser vivente, ela é muito maior que o corpo. Por isso creio firmemente que ela perdura além do corpo e misteriosamente mantém a nossa unidade mesmo quando decomposto o nosso corpo.
Quem precisa da vida é o corpo e não o contrário, pois a vida é muito mais que o corpo. Eis aí um mistério, e grande mistério!
Talvez esta seja uma luz para entendermos o que S. Paulo chamava de corpo de glorioso. Seria para ele o nosso corpo revestido da glória da ressurreição, um corpo não sujeito às transformações dos anos e da dor, nem sujeito às limitações históricas e geográficas, a saber, do tempo e do espaço. O corpo definitivo. Este sim, comunicação da Vida manifestada em sua plenitude. Um corpo para além da morte. Um corpo que revela a essência mais pura de nossa unidade incorruptível.
A partir desta compreensão é preciso aprofundar mais ainda nossa reflexão sobre a vida e a morte.
Existimos na medida em que somos notados como vivos pelos outros. Assim como olhamos e não vemos na totalidade nem na profundidade das coisas e dos seres, enxergamos apenas a luz que não é absorvida pelos objetos e pessoas e acidentes geográficos, a luz refletida por eles, que retorna destes para nossos olhos, assim também somos percebidos pelos outros. Nossos corpos exprimem apenas alguma parte do todo que somos, uma pequena parte. Se para existirmos precisamos ser notados, da mesma forma e na mesma intensidade precisamos notar o outro.
Quantos irmãos e irmãs passam invisíveis para nós, durante toda a nossa existência, especialmente os pobres, os pedintes, os doentes, os imigrantes, os marginais, os presos, os sem existência humana, apenas vegetais de carne e osso?
Como somos percebidos por eles?
A reflexão insiste: o corpo que nos exprime, exprime a vida que somos, precisa da vida para existir, porém a Vida existe além do corpo, e é ela que nos permitirá sermos nós mesmos na eternidade.
Assuero Gomes
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