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terça-feira, 16 de julho de 2013

O último ato médico


O Ato Médico
Escrevi esse artigo em 2005.
Infelizmente está mais atual do que nunca.
Já naquela época os médicos pediam que a nossa profissão fosse regulamentada, como o são todas as outras.
O projeto que "tramitava" guardado na gaveta dos nobres deputados, finalmente foi votado, após 12 anos.
A presidenta Dilma o aleijou com vetos eleitoreiros e o deformou.
Triste país esse nosso que brinca com a saúde de seu povo e tripudia sobre uma classe inteira de 400.000 profissionais médicos e 100.000 estudantes de medicina. 
 
 
 
O último ato médico

 

O médico escuta atentamente seu paciente. Examina-o com calma. Prescreve um medicamento. Depois lhe pergunta pela família, pela vida, aconselha-o. O paciente sai e vai adquirir o remédio.

Saindo dali, o paciente vai à farmácia, o balconista substitui o prescrito por um medicamento genérico. Chegando em casa e mostrando à sua esposa, ela liga imediatamente para a prima, que tem uma academia de ginástica. A prima desaconselha o uso do medicamento. Seria melhor fazer uns exames antes, “todos os exames de sangue além de uma ressonância magnética, pois uma conhecida dela tomou um remédio antes de fazer exames e o paciente se deu mal”. A esposa não deixa o marido tomar o remédio.

Sua vizinha é enfermeira, melhor consultá-la antes. A vizinha diz que aquele remédio é muito forte e prescreve outro. A esposa vai à farmácia trocar. No caminho encontra a psicóloga da filha e aproveita para mostrar o que sobrou da receita do marido. A psicóloga é contra todo tipo de medicamento e aconselha a mulher a levar o marido para fazer psicoterapia. A mulher, já em dúvida, e com a prescrição da enfermeira na mão, resolve não comprar mais medicamento nenhum. Vai consultar novamente a prima, da academia de ginástica. Dessa vez vai pessoalmente. Lá encontra o professor de educação física, então ela expõe o caso do marido. Ele aconselha a fazer os exames completos, além de prescrever outro medicamento e exercícios físicos, incluindo uma avaliação com a nutricionista da academia, que estaria ali depois do almoço.

O médico, enquanto espera que entre o próximo paciente, lê rapidamente um trecho de um dramaturgo alemão, que por acaso está nas suas mãos:... “no começo veio a polícia e levou meus vizinhos da esquerda, com toda família, por que eram comunistas, eu não disse nada, pois não tinha nada a ver com aquilo, eu não sou comunista...na outra semana vieram novamente e levaram os vizinhos da direita, alegando que eram judeus. Eu não disse nada, pois eu não sou judeu e não tenho nada a ver com isso...mais dois dias e levaram o pessoal da última casa da rua, alegando que eram contra o governo, eu também não disse nada, pois não gosto de política...agora estão batendo na minha porta..”

A nutricionista chegou. Ela prescreveu uma dieta para o paciente do médico. Desaconselhou o medicamento receitado pelo professor de educação física e sugeriu que ele fosse procurar uma fonoaudióloga, pois poderia haver algum transtorno de audição ou do labirinto. A esposa, a estas alturas, já duvidava de tudo. Num momento instantâneo de `inspiração´, resolveu consultar um advogado, pois seu filho trabalhava no escritório de um, que era muito bom em questões de erro médico, já havia ganhado muitas causas e muito dinheiro. Dali mesmo pegou um táxi, após ter ligado para o filho, e chegando, subiu de elevador para o consultório do advogado, um belo e luxuoso consultório.

Foi muito bem atendida. Mostrou a receita do médico. O advogado examinou o documento, fez uma anamnese, perguntou pelos exames complementares, anotou quantos minutos o médico havia gasto com a consulta e outros detalhes mais, os quais a esposa não sabia, pois não estivera presente. O ilustre causídico diagnosticou e prognosticou: “minha senhora, como a relação  médico-paciente é uma relação de prestação de serviço, está subordinada à lei do consumidor. Embora não haja garantia de cura nesta transação, nós podemos processá-lo pelo fato de não ter requisitado todos os exames possíveis e imagináveis para prever e prevenir lesões e seqüelas, além de que ele deveria informar, por escrito, ao seu marido dos efeitos colaterais do medicamento e também ter feito o paciente assinar um documento com a ciência e anuência do tratamento proposto.

Naquele final de dia, o médico estava cansado. Havia atendido muita gente. Curado alguns, minorado o sofrimento da maioria e consolado a todos. Estava cansado. Fez então o último ato médico: levantou-se e antes de sair apagou a luz do consultório.

 

Assuero Gomes

Pediatra, escritor

Um comentário:

  1. Nossa!!!! Muito duro este último ato...., mas sinto que só falta mesmo apagar a luz....., da vida de muitos, e o pior com atitudes politiqueiras e inconsequentes.

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