A mulher que engolia espadas
Mirabel estava ali deitada, contorcida no sofá. Era a
terceira namorada da sua vida. Conhecera há uns cinco dias, depois de uma farra
com amigos, que acabou desembocando num circo. Um pequeno circo no subúrbio
carioca.
Olhou a trapezista, olhou uma palhacinha meio anã, morena de
coxas grossas, olhou a moça da bilheteria que depois foi vender bombons durante
o espetáculo. Nada o atraiu. Um leão magro e sonolento, indiferente ao domador
de cartola puída, enfastiava a plateia.
O álcool já o deixava sonolento e um tanto quanto
nauseabundo. “Atenção senhores e senhoras, essa maravilhosa artista que veio
das ilhas do Caribe, Maribel, a mulher que engole espadas!” Anunciava o dono do
circo, tentando animar.
Aí ela entrou. Fulgurante. Um biquíni vestido sobre uma
meia-calça. Brilhava. Uma espada do tamanho do braço dele, e ela impávida
engolia o colosso de gládio, sem nem tossir. Sem uma careta sequer. Sem
pestanejos ou desvios de olhares.
E não era só isso que a moça fazia. Logo em seguida pegou
uma garrafa, provavelmente de rum, para compor a personagem, e entornando o
precioso líquido borrifou sobre uma chama flamejante, acendendo os olhos dele e
de muita gente mais. Mirabel era realmente uma grande estrela.
Enrolou-se num mastro como uma serpente, depois
serpenteou-se numa corda descendente como uma bailarina dos ares, enroscou-se
no trapézio, entrou nas argolas e tomando de supetão o chicote cansado do
domador, ainda brincou com o leão.
Era a glória em forma de mulher!
Agora mirava Mirabel encolhida e cansada no sofá de seu
minúsculo apartamento. Que noite fora aquela do encontro! Foram cinco dias
seguidos de experiências sensoriais que mudariam a vida de qualquer burocrata,
contabilista ou museólogo. Logo, logo, seu pai e sua mãe chegariam para
conhecer a nova pretensa nora. Estava apreensivo. Seus pais não eram
conservadores, mas quando se tratava de conservar a cria, as mães viram leoas
como que enjauladas.
Trimm! Trimmmm! Trimmmm!
“Mirabel, acorda meu bem, acorda, minha mãe ta aí na porta.
Acorda” E Mirabel nada. O pior, estava há uns cinco dias sem tomar banho, nem
depilar as axilas, cheirando a rum. Nem se mexia.
Trimmm! Trimmmmmmmmmmmmmmmmmmmm! “Meu filho! Abra aqui!”
Troc. A maçaneta estava emperrada. “Tudo bem mãe? Pai?”
Mirabel fez menção de mover-se do lugar, mesmo dormindo. A
pretensa sogra e o pretenso sogro não esconderam sua admiração espástica.
Estática. Estética. “Mirabel, Mirabel, minha mãe chegou!” Abriu os olhos sem
saber se era dia ou noite. Sexto andar. Lá fora a lua e estrelas salpicadas
como nas lonas furadas.
“O que você faz?” “Muitas coisas, coisas que a senhora nem
imagina!”
A janela estava aberta. Sexto andar. Uma última aptidão da
moça que engolia espadas, essa nem ele, o amado, conhecia.
Como uma mulher-bala, sem canhão sem nada, Mirabel
disparou-se pela janela. Talvez a lua, talvez a lona, certamente estrela.
Assuero Gomes
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