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domingo, 1 de dezembro de 2013

A mulher que engolia espadas


 
 
 
 
 
 
A mulher que engolia espadas

 

Mirabel estava ali deitada, contorcida no sofá. Era a terceira namorada da sua vida. Conhecera há uns cinco dias, depois de uma farra com amigos, que acabou desembocando num circo. Um pequeno circo no subúrbio carioca.

Olhou a trapezista, olhou uma palhacinha meio anã, morena de coxas grossas, olhou a moça da bilheteria que depois foi vender bombons durante o espetáculo. Nada o atraiu. Um leão magro e sonolento, indiferente ao domador de cartola puída, enfastiava a plateia.

O álcool já o deixava sonolento e um tanto quanto nauseabundo. “Atenção senhores e senhoras, essa maravilhosa artista que veio das ilhas do Caribe, Maribel, a mulher que engole espadas!” Anunciava o dono do circo, tentando animar.

Aí ela entrou. Fulgurante. Um biquíni vestido sobre uma meia-calça. Brilhava. Uma espada do tamanho do braço dele, e ela impávida engolia o colosso de gládio, sem nem tossir. Sem uma careta sequer. Sem pestanejos ou desvios de olhares.

E não era só isso que a moça fazia. Logo em seguida pegou uma garrafa, provavelmente de rum, para compor a personagem, e entornando o precioso líquido borrifou sobre uma chama flamejante, acendendo os olhos dele e de muita gente mais. Mirabel era realmente uma grande estrela.

Enrolou-se num mastro como uma serpente, depois serpenteou-se numa corda descendente como uma bailarina dos ares, enroscou-se no trapézio, entrou nas argolas e tomando de supetão o chicote cansado do domador, ainda brincou com o leão.

Era a glória em forma de mulher!

Agora mirava Mirabel encolhida e cansada no sofá de seu minúsculo apartamento. Que noite fora aquela do encontro! Foram cinco dias seguidos de experiências sensoriais que mudariam a vida de qualquer burocrata, contabilista ou museólogo. Logo, logo, seu pai e sua mãe chegariam para conhecer a nova pretensa nora. Estava apreensivo. Seus pais não eram conservadores, mas quando se tratava de conservar a cria, as mães viram leoas como que enjauladas.

Trimm! Trimmmm! Trimmmm!

“Mirabel, acorda meu bem, acorda, minha mãe ta aí na porta. Acorda” E Mirabel nada. O pior, estava há uns cinco dias sem tomar banho, nem depilar as axilas, cheirando a rum. Nem se mexia.

Trimmm! Trimmmmmmmmmmmmmmmmmmmm! “Meu filho! Abra aqui!” Troc. A maçaneta estava emperrada. “Tudo bem mãe? Pai?”

Mirabel fez menção de mover-se do lugar, mesmo dormindo. A pretensa sogra e o pretenso sogro não esconderam sua admiração espástica. Estática. Estética. “Mirabel, Mirabel, minha mãe chegou!” Abriu os olhos sem saber se era dia ou noite. Sexto andar. Lá fora a lua e estrelas salpicadas como nas lonas furadas.

“O que você faz?” “Muitas coisas, coisas que a senhora nem imagina!”

A janela estava aberta. Sexto andar. Uma última aptidão da moça que engolia espadas, essa nem ele, o amado, conhecia.

Como uma mulher-bala, sem canhão sem nada, Mirabel disparou-se pela janela. Talvez a lua, talvez a lona, certamente estrela.

Assuero Gomes

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