A tempestade e a poesia
As tempestades e os versos nascem do mesmo lugar, o coração
do homem. As guerras e a paz também. A saudade, o afeto, a harmonia. A tortura,
o enigma, o acalanto, a livre associação de ideias, o pensar e o esquecer,
nascem do coração humano.
Um país e uma nação são formados por imensos mares de
corações aflitos mergulhados nas águas da esperança, ou quiçá de corações
felizes sobrenadando num lago de marés rasantes. Os corações passam seu tempo
se constraindo e se distendendo, ora apressados, ora sonolentos, interligados
aos corações outros, que sinfonicamente sobrevivem em diapasões de vida e
morte, enquanto pulsam.
Tênues sopros enlevados dos apaixonados, sístoles raivosas
dos sentimentos torpes, diástoles monumentais nas ocasiões de serviço ao
próximo. Corações mesquinhos batem junto aos generosos e se misturam, no som de
uma locomotiva que não parte nem chega, apenas acelera e descansa, acelera e
descansa, acelera e descansa...nos trilhos das vidas.
As tempestades e os versos nascem do mesmo lugar, aquelas
desarrumam as naus, as viagens, as vilas e as populações, já os versos, são
mais perigosos que as tempestades, pois desarrumam o coração dos poetas e
talvez, raramente, de suas musas. Não à toa, os grandes revolucionários que
levaram suas tempestades para as nações, são quase todos poetas, ou já foram,
ou quiseram ser. Não há revolução sem poesia, dessas que dispensam os
alexandrinos ou parnasianos, mas que concretamente ardem com tijolos de versos
concretos dilacerados na carne do coração dos românticos. Não há tempestade sem
poesia nem poesia que não cause uma tempestade.
É sempre bom saber duas coisas sobre o coração dos humanos:
é dele que saem as impurezas ou as mais belas e límpidas palavras pela boca de
quem as profere, e também é sempre bom saber, que é nele, que Deus armou sua
tenda e habita.
Assuero Gomes
Médico e Escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário