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sexta-feira, 30 de março de 2012

Entre pães e estrelas

                                                                    A lua de Lisboa




Entre pães e estrelas



Há que se procurar D. Helder buscando ao alto sem descuidar do chão. Há que se pisar com cuidado sobre os pães por ele repartidos entre os pobres, sem descuidar das rimas, como estrelas salpicadas nos seus versos.

Cuidado, pise devagarzinho, para não acordar o mendigo que dorme sob jornais, pois só com muito amor ele permitirá que lhes distribua o pão do trigo que D. Helder plantou e depois colheu e depois moeu no seu sofrimento e compaixão, para torná-lo em pão de partilha.

Cuidado também quando olhares para as estrelas. Não as conte, apenas as cante, pois elas simbolizam corações-poetas de milhares de pobres que já se foram e agora reluzem junto ao seu pastor.

Não procurem D. Helder em cem anos, nem em duzentos, mesmo mil anos, pois embora haja anos chamados de luz, anjos não tem tempo nem passado nem presente nem futuro, são eternos...e se agora contamos a saudade em pedaços de tempos, centenários até, não mais precisamos do tempo, pois ele se eternizou nos nossos corações, na nossa história, na nossa cidade.

Não fiquem tristes nem eufóricos, se nas comemorações que estão por vir, não encontrarem seu espírito. Ele certamente estará fazendo refeição nalguma casa de palafita ou em um dos morros, ou confortando alguém que não encontrou atendimento médico nos hospitais públicos, ou mesmo recolhendo migalhas para alimentar os pombos e pardais.

Há que se procurar o Dom no meio de seu povo, sem mitras e sem báculos, sem pompa, sem pressa, sem holofotes, sem retoques e sem máscaras. Evitem os aglomerados em torno de discursos vazios, pois a única palavra que enche a barriga do pobre é a Palavra de Deus, pois ela é transformadora da realidade, as outras palavras, são as outras... certamente ele não estará aí.

Escutem a voz que suplica um pedaço de pão, escutem o trinado dos pássaros que mesmo desfigurados pelo vôo chegam ao destino sendo pássaros, escutem o matinho da calçada das Fronteiras crescendo, sigam o rastro de moedas deixadas pelo profeta ao raiar do dia para que os pobres dos mais pobres tenham este pedaço de pão, fujam, no entanto, dos doutores medalhados, simpósios e congressos que discutirão a supérflua conjuntura do destino da sombra da batina do bispo ou a ordem de entrada na procissão da celebração solene dos cem anos de uma estátua...ah, como o Dom estará longe disso!

D. Helder está entre os pães e as estrelas. Lá o encontrarão, até mais, encontrarão a si mesmos. Encontrarão seus sonhos adolescentes de mudar o mundo, sua seiva profética de denunciar as injustiças, sua gana adormecida de lutar por um mundo mais justo em favor dos oprimidos. Encontrarão o Dom, acordado nos seus dias e noites ininterruptas de trabalho e oração, cuidando do pobre.

Quando o encontrarem lembrem-se de partilhar o pão e de partilhar as estrelas, pois são feitos da mesma substância, da sua substância, da substância do Dom, que atravessa séculos e se mantêm atual, presente, vivo. Assim e só assim poderemos celebrar, sem envelhecermos o aniversário do dom da vida de um profeta que vive entre nós.





Assuero Gomes

Cristão católico da Arquidiocese de Olinda e Recife

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