A gênese do Mal
A maior e mais incrível liberdade humana é o pensar. O
pensar e o existir são quase sinônimos. A pergunta que quero colocar é a
seguinte: o que leva um ser humano comum a praticar atos que vão contra sua
própria natureza?
Pessoas comuns de vidas banais, muitos pais de família
dedicados e amorosos, mulheres mães cuidadosas, incapazes de maltratar um
pequeno animal, são sutilmente levados a praticar atos abomináveis, como
sequestros, tortura e morte. Isso foi bem estudado por Hannah Arendt, grande
pensadora do nosso tempo, filósofa e política.

Podemos observar na história humana, como ondas malditas, o
afloramento do Mal, de tempos em tempos. Independente do grau de instrução das
nações e de suas opções políticas. Morticínios em larga escala no abominável
nazismo, mas também no stalinismo, no maoísmo, no castrismo, ainda
anteriormente no Império Romano, e por toda história permeada.
Para que o Mal domine um povo, primeiro é preciso que a baixa
estima da nação seja acentuada de maneira subreptícia diariamente, a educação
seja aviltada pela desvalorização dos professores, o trabalho dos homens e das
mulheres seja também desvalorizado, chegando ao ponto de receberem uma ajuda do
dominador mesmo sem trabalhar, estímulo aos prazeres fugazes trazidos pelo
consumo de álcool e outras drogas, sexo, muito sexo. Num processo destrutivo
desses, a capacidade de pensar de cada indivíduo fica entorpecida e na sua
baixa autoestima ele não se vê. Não é notado nem por si próprio nem pelos seus,
nem pela sociedade. Esse é o ponto onde o terreno está arado, adubado e irrigado.
O Mal vai jogar suas sementes de erva daninha.
A ideologia do dominador vai ‘resgatar’ aqueles que estavam
sem visibilidade e vai dar a eles um motivo para se sentirem vivos, notados,
importantes. Vão usar siglas, adereços, fardamentos, símbolos de pertença ao
sistema. Vão ter cargos e missões. Não vão pensar por si mesmos, vão obedecer.
Nesses sistemas os dirigentes tudo podem, são como iluminados messias.
Subornar, roubar, desvirtuar, negociar, corromper, destruir instituições e
pessoas ou grupos que se lhes opõem, são permitidos por uma ‘causa maior’.
A democracia, o livre pensar, a imprensa, serão, então,
apenas firulas de uma burguesia que não quer perder suas benesses. Nenhum
indivíduo deve se contrapor ao coletivo.
Então aquele pai de família se permite a si próprio torturar
seu semelhante, ou àquela estudante assaltar um banco, matar um cidadão, sem
que sua consciência os acuse de nada. Ao se acordar, veremos então toda a
carnificina tomar corpo e destruir um povo, uma nação, uma comunidade.
Diria com Hannah Arendt: “O mais radical revolucionário
tornar-se-á um conservador no dia seguinte à revolução”.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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