Nossa ligação de
cristãos com João Batista
Marcelo Barros
As festas juninas são muito antigas. Existiam antes do
Cristianismo e antes que tivesse nascido João Batista. Quando o Cristianismo
transformou as festas da natureza em celebrações da fé cristã, os festejos de
25 de dezembro (solstício do inverno no hemisfério norte) foram transformados
na festa do natal de Jesus e os de 24 de junho (solstício do verão – aqui no
sul, inverno) ganharam essa atribuição de festa do nascimento de São João
Batista.
O costume da Igreja é celebrar o santo no dia de sua morte,
do seu martírio ou seu nascimento no céu. No entanto, quase desde o início do
Cristianismo, com São João, os cristãos celebram o nascimento (24 de junho) e o
martírio (29 de agosto). Na Idade Média, foi criada uma festa da natividade de
Maria (08 de setembro), mas é bem posterior. Por que São João é tão importante
assim para a nossa fé?
Em um livro clássico dos anos 60, o padre Jean Danielou
afirmou: “João Batista é apresentado nos evangelhos de Mateus, Marcos e Lucas
como precursor do Senhor, isso é, aquele que veio ao mundo preparar os caminhos
do Senhor. O quarto evangelho prefere considerá-lo testemunha do Verbo, amigo
do Divino Esposo, Lâmpada que faz brilhar a Luz que é o Cristo (por isso, o
povo acende fogueiras na festa do seu nascimento). No entanto, é preciso
compreender bem que João não foi somente precursor de Jesus em sua vinda
histórica, uma vez por todas. É sua missão ser sempre precursor do Senhor,
tanto na vinda dele a uma Igreja, como na vinda final dele (Sao Lucas mostra
isso – João como o novo Elias que deve vir antes da vinda final de Jesus) e
mesmo das vindas contínuas e secretas de Jesus em nossas vidas, na vida de cada
um/uma de nós. João é o precursor de Jesus no nosso caminho de fé. E sendo
isso, ele se torna o que diz o quarto evangelho: testemunha da Luz e do Verbo.
Uma coisa que pode nos espantar é perceber como nos
evangelhos a pregação de João parece diferente da palavra de Jesus. Os dois
pedem conversão. Os dois dizem: “O reino de Deus está próximo. Convertei-vos!”.
Mas, João prega a ira de Deus e diz: “Raça de víboras, sepulcros caiados, quem
vos ensinou a fugir da ira de Deus? Praticai a justiça. A foice já está na raiz
das árvores. Toda árvore que não der bom fruto será cortada e jogada no fogo”
(Mt 3 e Lc 3). Enquanto isso, a pregação de Jesus é diferente. Não fala de ira
de Deus. Fala do amor, do perdão. É tão diferente que João entrou em crise e
mesmo da prisão mandou os discípulos perguntarem a Jesus: “És tu aquele que
devia vir, ou vamos ter de esperar por outro?” (Mt 11). No entanto, sem um, não
virá o outro.
Um teólogo alemão (D. Bonhoeffer) dizia que se não passarmos
pelo Antigo Testamento, não entenderemos o Novo. Sem assumir a pregação de João
e preocupar-se com a justiça, não receberemos a graça divina que Jesus oferece.
A graça é de graça, mas supõe a acolhida, pede a conversão. O problema de
alguns grupos cristãos de hoje (de tipo carismático) é que querem viver um
Cristianismo da graça, da alegria, do aleluia, sem passar pela justiça e pelas
exigências da ética social dos profetas. Assumir João Batista como caminho e
precursor do Cristo para nós é aceitar a atualidade de sua mensagem profética
pela justiça e incorporá-la em nossa forma de viver a fé para então sim entrar
na alegria da salvação oferecida pelo Cristo.
João se tornou tão parecido com Jesus que teve de se
explicar: Eu não sou o Cristo. E mesmo Herodes confundiu Jesus com João. Será
ele o João Batista que eu mandei degolar? Os evangelhos trabalham essa
semelhança. É também algo que João nos ensina e nos chama a viver: nos tornar
semelhantes a Jesus
Uma antiga oração da festa de São João pedia a Deus a graça
de acolher sua profecia, imitar sua vida consagrada e viver hoje o seu
testemunho de amigo do Esposo.
Questões para aprofundarmos:
1. Dom Helder Câmara, por sua forma de ser e de cumprir sua
missão foi na Igreja e no mundo uma espécie de João Batista, profeta, precursor
e testemunha do Cristo. Muitas pessoas se reaproximaram do Cristo por causa do
testemunho de Dom Helder.
Hoje, seja como pessoa, cada um de nós, seja como grupo (o
grupo da partilha), como podemos integrar, hoje, em nossa forma de viver a fé
esse testemunho e missão de João Batista, ou seja, como integrar as exigências
da prática da justiça e da vivência da fé?
2 – O quarto evangelho apresenta João como aquele que se
unificou a tal ponto que era o homem da única alegria. Podemos olhar a nossa
vida pessoal e nos perguntar em que etapa estamos nesse caminho da unificação
interior e de assumirmos essa vocação de Joao Batista, testemunha do Verbo?
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