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domingo, 26 de fevereiro de 2012

Os olhos da mulher amada

                                                                Jeanne Hébuterne



Os olhos da mulher amada



São como lagos. Transparentes mas profundos. Refletem, um, a luz do sol mais luminoso, outro, a lua misteriosa e algumas estrelas fugidias. Ao primeiro olhar, descuidado talvez, possa parecer sua plena beleza como sendo esta, apenas o brilho emprestado do sol ou roubado de algumas estrelas e da lua. Mas, os olhos da amada são mais profundos. Eles externam a alma guardada em segredo, à espera do viajante definitivo, aquele que desvendará esses lagos, abaixo da superfície.

Verá que ora transbordam ora secam, conforme as marés interiores, com seus fluidos e ritmos próprios, pulsantes. O amante perceberá, apenas olhando, que mares navegar ou respeitar, quando atracar sua embarcação fugindo da tormenta ou quando se aventurar em busca da noite mais serena. Os olhos da mulher amada podem mostrar a mais bela das auroras ou o por do sol suave, e ainda assim guardar segredos, podem ainda, deixar se ouvir a melodia dos anjos ou o silêncio de uma oração.

Quanta ternura poderá derramar esses lagos, em lágrimas delicadas ou quanta dor poderão guardar numa aridez intrigante? Se a boca detém o véu mais inexpugnável de uma mulher, seus olhos são traiçoeiros para si mesma, pois revelam seu espírito, impudicamente.

Os olhos da mulher amada carregarão a imagem do seu amado, submersa nas águas profundas dos seus lagos, para que, mesmo que reflitam lugares distantes, países diversos, estações outonais, ele, seu amado, esteja guardado junto a si.

Quem mais perscrutou os olhos das mulheres, numa busca infinita por tesouros submersos, foi Amedeo Modigliani. Encontrou-os nos olhos de Jeanne Hébuterne, e nunca mais se perdeu; mas foi ela, e somente ela, quem encarnou a alma dos olhos da mulher amada à perfeição, na louca radicalidade de um amor total, vivido às últimas consequências. Um amor cego, sem concessões ou dúvidas. Um amor trágico como um vendaval. Como um punhal em brasa penetrando a carne branca e dilacerando um coração escafandro, submerso nas lágrimas de um lago inexpugnável.

Os olhos da mulher amada são ainda como faróis resplandecentes, que emprestam à luz da lua, uma beleza suave e estejam onde estiverem, irradiam sua claridade aos olhos do amado. Espelhos de cristais de açúcar, são escudos de desventuras e tristezas, filtros insones de imagens náufragas, íntimas imagens náufragas.

Olhos de ver por dentro, olhos de oásis e tempestade. Olhos de vida.



Assuero Gomes


Médico e escritor

  

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