A Dona de Casa
A Dona de Casa
Três irmãs da mesma criação retornam à casa materna após
muito tempo, para um último adeus, pois lar já não existe. São relativamente
bem sucedidas na vida essas três irmãs. Uma é psicóloga, atende em consultório,
é professora universitária. A outra, mais nova, é uma conceituada pediatra,
trabalha em vários plantões, faz pesquisa e ensina. A terceira é bióloga, jornalista,
escritora, ativista política.
A antiga casa da infância agora já não passa de escombros e
lembranças. Quase totalmente demolida, logo,logo vai dar lugar a mais um
empreendimento imobiliário de vários andares. Jardim já não há. Quintal já não
há.
Persiste teimoso, dependurado, na parede do que fora a
cozinha, ainda com azulejos claros, desses que já não se fabricam mais, um
pequeno enfeite de madeira desenhado e pintado com algumas florezinhas
desbotadas e com três suaves ganchos de metal dourado. “Nosso lar”.
Simultaneamente, como em compasso de saudade, a três irmãs lembraram que ali se
perdurava o pano de pratos, o pano de mão e o avental da mãe. Aí, como numa
cascata desordenada, que atropela o caminho por onde se espraie, brotaram
lágrimas, sentimentos, lembranças. Parecia ouvir a mãe acordá-las sempre com o
mesmo refrão de atrasadas, sempre com o mesmo beijo, sempre com o cheiro de
café, pão assado, queijo de coalho frito, e “vitamina de banana”. O pai o
primeiro a sentar, o pai pedindo ovos mal passados, o pão ainda quente e o
leite ainda naquelas garrafas brancas.
Deram-se conta, de repente, que jamais haviam valorizado o
trabalho da mãe. A rotina repetitiva que elas três procuraram fugir a vida
toda, as empregadas domésticas que colocam a seu serviço, as babás para o filho
único de cada uma, a má vontade de amamentar, a falta de tempo. De repente a
figura insignificante da mãe tomou um vulto gigantesco. Elas viveram com
referências, firmes, concretas, inabaláveis, imutáveis. A Dona de Casa que fora
sua mãe permitiu-lhes a segurança de ter sempre um lar para o retorno do dia. A
certeza que o pai viria almoçar, o ruído no portão, a casa quase sem muro, a
chegada da noite e o retorno do pai, das três, a mãe em casa, organizada,
limpa, jantar na mesa, camas feitas. Foram então até o quarto onde a mais velha
dormia só desde os quinze anos e o outro das duas mais novas. No chão alguns
tacos arrancados e baldios, paredes despeladas. Onde está o teto que nos
abrigava? As coisas eram tão fáceis de resolver, os medos noturnos, um pequeno
beijo na madrugada acalmava o relâmpago e o trovão.
O quarto dos pais, tão imenso, tão imenso. A alegria no dia
da compra de um guarda roupas novo de seis portas... onde guardarão as
lembranças agora? Onde está a Dona de Casa ? Onde está a casa?
Assuero Gomes
Médico escritor
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