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quarta-feira, 27 de junho de 2012

A Dona de Casa

A Dona de Casa











A Dona de Casa



Três irmãs da mesma criação retornam à casa materna após muito tempo, para um último adeus, pois lar já não existe. São relativamente bem sucedidas na vida essas três irmãs. Uma é psicóloga, atende em consultório, é professora universitária. A outra, mais nova, é uma conceituada pediatra, trabalha em vários plantões, faz pesquisa e ensina. A terceira é bióloga, jornalista, escritora, ativista política.

A antiga casa da infância agora já não passa de escombros e lembranças. Quase totalmente demolida, logo,logo vai dar lugar a mais um empreendimento imobiliário de vários andares. Jardim já não há. Quintal já não há.

Persiste teimoso, dependurado, na parede do que fora a cozinha, ainda com azulejos claros, desses que já não se fabricam mais, um pequeno enfeite de madeira desenhado e pintado com algumas florezinhas desbotadas e com três suaves ganchos de metal dourado. “Nosso lar”. Simultaneamente, como em compasso de saudade, a três irmãs lembraram que ali se perdurava o pano de pratos, o pano de mão e o avental da mãe. Aí, como numa cascata desordenada, que atropela o caminho por onde se espraie, brotaram lágrimas, sentimentos, lembranças. Parecia ouvir a mãe acordá-las sempre com o mesmo refrão de atrasadas, sempre com o mesmo beijo, sempre com o cheiro de café, pão assado, queijo de coalho frito, e “vitamina de banana”. O pai o primeiro a sentar, o pai pedindo ovos mal passados, o pão ainda quente e o leite ainda naquelas garrafas brancas.

Deram-se conta, de repente, que jamais haviam valorizado o trabalho da mãe. A rotina repetitiva que elas três procuraram fugir a vida toda, as empregadas domésticas que colocam a seu serviço, as babás para o filho único de cada uma, a má vontade de amamentar, a falta de tempo. De repente a figura insignificante da mãe tomou um vulto gigantesco. Elas viveram com referências, firmes, concretas, inabaláveis, imutáveis. A Dona de Casa que fora sua mãe permitiu-lhes a segurança de ter sempre um lar para o retorno do dia. A certeza que o pai viria almoçar, o ruído no portão, a casa quase sem muro, a chegada da noite e o retorno do pai, das três, a mãe em casa, organizada, limpa, jantar na mesa, camas feitas. Foram então até o quarto onde a mais velha dormia só desde os quinze anos e o outro das duas mais novas. No chão alguns tacos arrancados e baldios, paredes despeladas. Onde está o teto que nos abrigava? As coisas eram tão fáceis de resolver, os medos noturnos, um pequeno beijo na madrugada acalmava o relâmpago e o trovão.

O quarto dos pais, tão imenso, tão imenso. A alegria no dia da compra de um guarda roupas novo de seis portas... onde guardarão as lembranças agora? Onde está a Dona de Casa ? Onde está a casa?



Assuero Gomes

Médico escritor

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