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quinta-feira, 28 de junho de 2012

Abandono







Abandono



Sobre a dor de um abandonado nada posso dizer que não soe estranho para mim, mas cabe pôr algumas palavras no sentimento, que se não meu, o será de alguns que se perderam de si mesmos, quando de seus entes sentidos queridos, não o foram, ou se foram, perderam-se em alguma página do tempo, virada às avessas.

O abandono dos anciãos em asilos escuros, quando o são, já dói tanto que de dor não se deveria mais procurar para colocar nas tintas pretas sobre um fundo branco, mas anciãos, pelo menos já viveram, e certamente entre momentos e instantes, ou até mesmo dias inteiros felizes, caminharam na vida, ora trôpegos, ora escorregadios, ora vibrantes e altaneiros.

O que me agride mais é tentar sentir, se assim possível fosse, o que sente uma criança abandonada pelos seus pais, e mais ainda, se a dor pudesse ser mensurável, a dor maior de ser abandonada pela mãe.

Imagino, em exercício lúdico inverso, a sensação que é de se ter sido não querido o suficiente pela mãe, a tal extremo ponto de ser deixado para outrem, mesmo que seja uma avó, ou uma tia, ou ainda um estranho.

Com uma boca com dentes de vidro tentando morder o destino cão, ou com ouvidos surdos, tão surdos, que o coração batendo por dentro ressoa ao vento que não existe, numa brisa vazia, e os olhos cegos, blindados à luz, e você boiando num mar, precipitado sobre um naco de madeira náufraga, à deriva, à deriva...

Matar a própria mãe é o pior crime que um ser humano jamais poderia suportar, e no movimento inverso, mas espelho, sentir-se abandonado pela própria mãe deve ser o estranhamento mais profundo, mais amargo e obscuro, mais pesado que se tenha a carregar pela vida afora até a consumação do seu próprio tempo.

Quanta ternura, afeto e amor, deve um pequeno ser humano receber para sobreviver numa situação dessas!

Nada poderá romper essa saudade do que poderia ter sido e não foi, de que culpa teve que não conseguiu gerar amor naquela que lhe deu a vida, na inconsistência de suas lembranças que jamais foram nem serão elaboradas, do riso materno, do afago, da mama, do carinho por sobre os cabelos que não houve... mas sobreviver é preciso, e é possível em quase todas as situações do mundo, e aí entra a genialidade da raça humana na sua capacidade quase infinita de superação.

Só com muito amor a mente do abandonado poderá perdoar a si mesmo e consequentemente mais tarde à sociedade humana, o ele ter existido e sobrevivido.

Penso que uma certeza deve ser inculcada sempre, tornando-a uma certeza inabalável, uma pedra de rocha alicerçando por toda a existência, como um dogma, um mantra, uma filosofia gravada na alma e repetida no coração, a certeza absoluta que Deus a ama.

Aconteça o inesperado, abra-se o mar ou o precipício, caia o céu e os astros celestes, abalem-se os fundamentos da Terra, caiam anjos e tempestades, bonanças e refrigérios, secas ou enchentes, dilúvios até, mas nada, nada, afastará o amor de Deus, um só milímetro sequer.

A certeza do Amor, profundo, eterno e incondicional de Deus, por todos os seus filhos e filhas, e é essa força consciente e inconsciente que a carrega nos braços, sem mesmo a pessoa saber.



Assuero Gomes

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