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sábado, 23 de fevereiro de 2013

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A renúncia do Papa

 

Ratzinger me surpreende mais uma vez. Confesso que quando da sua escolha para suceder João Paulo II uma decepção e um desânimo tomou conta do espírito de uma parte de cristãos católicos que almejavam uma Igreja mais progressista nos moldes e orientações do Concílio Vaticano II.

Surpreendeu-me, como já tive oportunidade de expressar em outro artigo, a maneira como ele conseguiu ouvir opiniões de outras vozes antes de tomar algumas decisões. A grande vantagem de Bento XVI é que ele é um teólogo. A diferença de quem estuda e reflete honestamente é saber de suas próprias limitações. Ratzinger jamais foi um messiânico, justiça se faça. Ele permitiu que o lado obscuro e sujo da Igreja viesse à tona, especificamente a questão da pedofilia e a financeira.

Um breve papado de oito anos, mas que mergulhou profundamente na história. O segundo papa que renuncia de livre e espontânea vontade, em dois mil anos.

Certamente a mídia vai expor à exaustão a sua renúncia, elucubrações sobre o assunto vão ocupar a mente de milhares e milhares de pessoas, outra dezena de livros de ficção e conspirações vai ser editada e vai fazer a fortuna de alguns. As causas da renúncia vão ser pesquisadas e aventadas com mil e uma possibilidades: doença, política interna, política externa, etc... Dificuldades de ordem teológica e administrativa vão ser levantadas.

O Papa renunciando continua infalível? O sucessor tomando uma atitude ou emitindo um decreto ou um ensinamento diferente de Bento XVI, a quem os católicos deverão seguir? Deixando de ser Papa a assistência do Espírito Santo recairá sobre o próximo automaticamente? Ele deixa de ser o administrador da Igreja e chefe de Estado, mas continua iluminado? Será o que, depois da abdicação: um bispo, um cardeal, ocupará um cargo especial, um Papa honorário?

Questionamentos de ordem teológica, filosófica e prática serão inúmeros, mas a Igreja com sua sabedoria saberá conduzir-se através dos caminhos da humanidade, de maneira lenta, dando respostas atrasadas a perguntas urgentes, respondendo rapidamente a perguntas sem respostas, criando perguntas sem ter as respostas, com suas falhas, seus pecados, suas virtudes, erros e acertos, mas caminhando, completando no próprio corpo as chagas do Cristo, que misteriosamente continua amando-a.



Bento XVI fez um movimento incomensurável e de inquestionável amplitude, que vai repercutir na história da Igreja e, portanto na história da humanidade.

A sensação que me passa, decorridos alguns dias, é a de um profeta que vendo os que deveriam ser pastores do povo, imersos num turbilhão de situações conflituosas com a vontade de Deus, faz um último, solene, surpreendente, tranquilo, consciente e único gesto profético, como ator definitivo de uma cena definitiva, retirando-se para se manter radicalmente inserido, protagonista e eloquente no silêncio de quem não comunga com a realidade na qual a instituição está mergulhada. 

Ratzinger me surpreendeu, como surpreendeu a um quarto da população mundial. Mergulhou na sua própria humanidade, um mergulho profundo e sereno, como daqueles que vislumbrando a imensidão do mar se questionam da sua própria imagem refletida numa pequena poça no seu banheiro ou espelho de barbear, e se apaixonando pelo mar mergulham despidos de si próprios.

Bento XVI mostrou que a infalibilidade do Papa é possível, pois está inserida na sua falibilidade humana.

 

Assuero Gomes


Cristão católico leigo da arquidiocese de Olinda e Recife

 

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