Igreja Nova
Nas mais antigas e melhores terras de Pernambuco, tomadas por el rei em retaliação pelas nossas lutas libertárias, terra de Zumbi e Calabar, mulato que “sabe dos caminhos que ninguém ensina, em que pântanos beber, em que rios percorrer e das fontes”, existem algumas lagoas, três na verdade. Belas, silenciosas e brilhantes de sol.
Imaginei, submersa, uma igreja, de 2000 anos. Imaginei pescadores, negros, índios, pobres, jogando a rede do lado direito da barca de Pedro e achando-a submersa, qual arqueólogos caboclos.
Maravilhados descobriram a igreja.
Imagino-os formando um grupo, uma comunidade primordial de antigos pescadores que atenderam o chamado do Mestre, para restaurar e erigir a igreja. E assim foram mergulhando em águas mais profundas a cada vez, e entravam e saíam da pequena igreja submersa, escondida desde os tempos. E começaram a retirar-lhe os entulhos, os códigos, as palmatórias e os chicotes, as algemas e os pelourinhos. E aquela pequena comunidade de homens simples, foi notando que a pequena capela começava a flutuar. Não souberam ao certo se era impressão, se era insolação ou se a lagoa estava secando, mas a verdade é que com o trabalho e a fé deles, já se podia vislumbrar a cruz no cimo da construção.
Resolveram então, tudo de comum acordo e após as orações, retirar os adornos de dentro. Havia alguns objetos de ouro e prata, como turíbulos, ostensórios, um cajado incrustado com pedras preciosas. Venderam tudo e compraram comida e remédios para as suas famílias e o que sobrou repartiram com toda a vila. A igreja ficou tão mais leve, tão mais leve, que mais da metade do seu corpo já estava banhado pelo sol.
Quem passasse apressado pela ponte por cima da lagoa, talvez nem notasse bem, mas já estava visível aquela construção nascida das águas. Quem descesse até onde os pobres moravam poderia admirar este milagre do trabalho, da fé e da perseverança. Os peixes, os siris, passeavam tranqüilos por entre as janelas e as portas, e se quietavam em frente ao altar, que estava enfeitado com flores aquáticas.
O trabalho da comunidade continuou. Retiraram a lama, o lodo, a sujeira acumulada durante séculos. Retiraram da igreja a culpa, os castigos, as proibições e os interditos. Soltaram-lhes as amarras subterrâneas, os espinhos escondidos, as cordas, as âncoras.
Não se sabe bem precisar porque, nem como, mas um belo dia, a igreja flutuou. Leve, serena como uma jangada. Libertada pelos pobres, ela emergiu e agora é uma igreja itinerante. Uma bela igreja nova. No seu interior os pássaros vêm fazer seus ninhos, os homens e as mulheres se fartam de peixe e pão e já não há donos nem senhores. Qualquer tentativa de amarrá-la ou possuí-la lhe será fatal, por afogamento. Seu equilíbrio depende do equilíbrio das relações humanas mediadas por Deus.
Os poetas e talvez os físicos quânticos acreditam que a água é luz, que sol é luz, que vida é luz, que a poesia é luz e que o tempo é um pingo de luz da eternidade. Acredito que esta igreja flutua e é banhada pela luz de Deus que emana dos pobres. Acredito que dentro da lagoa que existe em cada um de nós, existe uma construção de fé. Acredito na fraternidade humana e que através dela possamos descobrir a igrejinha, ou capela, ou santuário, ou mesquita, ou sinagoga que está ali, e juntos desfrutarmos de uma bela e eterna manhã de sol.
Um Natal comprometido com as descobertas interiores e comunitárias, para todos e todas.
Assuero Gomes
assuerogomes@terra.com.br
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