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domingo, 20 de novembro de 2011

O Poço e a Fonte




O Poço e a Fonte

O poço assegura a vida da comunidade. Nele vieram beber os antepassados dos antepassados. Ele é perene, quase eterno. Mata a sede toda vez que lho procuram. A vila é construída ao redor dele. É um lugar guardado com segurança. O poço representa a estabilidade, a organização imutável da comunidade. Ao redor dele os anciãos conversam suas histórias de geração em geração, lá as crianças aprendem a respeitar e perpetuar a tradição. O poço é sagrado, por isso precisa ser bem protegido e vigiado, nada pode ameaçar sua existência. Ele representa a instituição que assegura a continuidade da vila. O que seria da vida sem a água do poço?
É bem verdade que a água é parada, mas é segura. Ninguém ousou jamais sair da vila sem carregar a sua água em recipientes hermeticamente fechados, para não contaminarem o precioso carregamento. Ao redor da vila há um deserto e no deserto ninguém vive. Sobrevive apenas quem estiver com a água do poço.
É bem verdade também, que matar a sede com a água do poço requer trabalho e sacrifício. A roldana, a corda, o balde, o cantil, o peso, a aspereza da corda, a dor nas costas, a retirada da água é cada vez mais funda, mais sacrificada, mais pesada. É a rotina do sofrimento que garante a sobrevida da vila. Com o esforço para retirar-se a água do poço a sede volta logo e logo estamos tirando mais água e a sede aumentando num moto contínuo. É a vida nossa, foi a de nossos pais e a de nossos avós. Certamente será a dos nossos filhos e netos, pois o poço parece eterno, a vila parece eterna, o deserto é eterno e imutável. O rito de retirar e utilizar a água do poço deve ser seguido sem alteração, pois ela pode secar um dia. Será? Deve ser usada com parcimônia e bem distribuída esta preciosa água de nossos avós. O poço é fundo, chega às nossas raízes, nesta terra onde repousam os ossos dos nossos ancestrais. Deve ser cercado e controlado.
Mas Jesus é Fonte. A fonte é diferente. Ela brota, ela jorra. É água e água em abundância. Para todos, sem fronteiras, sem cercas. Não respeita o deserto, ao contrário, ela o invade, o destrói e em seu lugar faz brotar um jardim e pomares, onde os pássaros de Deus vêm fazer seus ninhos. A fonte não tem controle. Não respeita os limites da vila nem os ritos para apanhar sua água. É singela e límpida. Não se limita às  instituições nem a seus instituídos, pois jorra à flor da terra para quem quiser beber, a qualquer hora, dia e noite, sem filas e sem favores, sem tradições, sem limites. E sua água escorre por entre ruas e vielas, abre caminhos, alarga as margens, subverte os muros e as grades, rompendo-os. E vai se alargando no horizonte. Daqui a pouco será riachos, será rios, será oceano. A aridez dos ossos ressequidos será revolvida, na terra, agora úmida, agora fértil, e a tradição enterrada será brotada em vida, como adubo. E fertilizará os campos e haverá trigo e haverá uva, e as abelhas farão córregos de mel e as ovelhas verterão leite das encostas, e haverá pão distribuído em fraternidades e vinho em abundância, e os pobres se alegrarão e farão refeição, pois a água viva é para todos os povos, todas as vilas e todas as nações.
Num dia claro de sol, sobre a relva e a brisa suave, os homens e as mulheres e as crianças de todos os lugares festejarão, alegres, a água da fonte repartida em pão, luz e alegria, tranquilos, e já não pensarão mais no poço, pois a água que jorra de Jesus terá inundado de claridade todos os poços da Terra.

Assuero Gomes
Médico e Escritor

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