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sexta-feira, 28 de outubro de 2011

De barro e de luz...

De barro e de luz


Somos feitos de barro. Argila misturada de impurezas e de finitude. Barro moldável com grãos de pedras duras, duras pedras no seu interior. Somos pó e água. Das cavernas às galáxias, somos pó, areia, terra. O que nos torna sermos, são as mãos do Oleiro. Misteriosas mãos, luminosas e infinitas mãos, que ao nos moldar, deixam pingos de luz no meio do barro... imperfeito barro, respingado de luz.
Não somos luz, apenas refletimos a luz do Oleiro, que a deixou em nós. Sua luz. E na nossa opacidade, a escuridão pode ser subvertida na medida em que iluminamos o mundo ao nosso redor, com a luz do Oleiro.
Somos sombra, frágil vasilhame de argila cozida nas intempéries da vida, na provação do cadinho misterioso que nos purifica, mesmo sem sabermos de onde vem o fogo que nos abrasa e nos queima. Vasilhame de luz, feito para iluminar a escuridão do mundo e decompor as trevas, para que todos vejam.
Corpos decompostos em miséria, são pedaços do mesmo vasilhame de que somos feitos. Irmãos de fragilidade e de luz. Vasos magros, macérrimos até, de fome e dor e descaso, à procura de luz entre os irmãos e luz não encontra, pois quem deveria alumiar está cego, perdido na escuridão do ter. Negando o ser, à procura do ter, seguem por entre escombros de cacos partidos.
Sofre o Oleiro, que dotou o barro de grãos de liberdade e livre arbítrio, e agora espera a recomposição da consistência. Sofre o Oleiro, que no seu amor louco, deixou grãos de poesia pura, para perfumar a terra da argila, e agora não escuta a canção do perdão. Sofre o Oleiro que do mesmo brilho dos astros retirou claridade para dar ao barro, banhando-o de misericórdia, e agora não colhe ternura, apenas discórdia e murmúrios.
De barro e de luz somos criados, de poesia e lamento, de movimento e contemplação. Somos uma oração em meio a blasfêmias, somos o espaço que separa a lâmina da pele e a pena do papel. De barro e de luz, de gozo e de dor, vagueamos como cegos no infinito, buscando a luz, quando a luz está bem dentro de nós. Acendemos tochas e candeias, incendiamos cidades e morros, explodimos nações e permanecemos nus, na escuridão, cada vez mais densa. Construímos imagens e as rasgamos sem mesmo vê-las. Montanhas escalamos a procura dEle e não vemos quem está caído ao nosso chão.
Vasos, frágeis vasos, peregrinos vasos, mergulhados na imensidão do mar como mensagens náufragas, à espera de que mãos radiantes de aurora, os recolham. Amados vasos, misteriosamente amados, na sua infinita fragilidade, que serão, um dia, recolhidos com carinho, pelo Oleiro, apesar de rotos, rompidos, desgastados, quebrados, apesar de estarem já opacos, ranhurados, fendidos, mutilados, apesar de serem de barro e por serem de barro, serão recolhidos, um a um.  
Restaurados, então, ganharão a cor da luz, como quem se veste para as núpcias. E não haverá mais noite, nem frio nem rompimentos; restará somente a doce transformação de ser luz, na sua original individualidade, permeando a própria Luz.

Assuero Gomes


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