Visitantes

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

A Medicina e a Religião

                                            detalhe do Mural Tributo a Gaudí do SIMEPE
                                        

                                                    


                                                   A Medicina e a Religião

Sabemos que na antiguidade, mesmo antes até, a prática da cura dos males, fundia e confundia a religião e a medicina. Hipócrates fez uma das primeiras tentativas de que se tem registro de separar as duas. Com René Descartes (1596-1650) o conhecimento humano tomou um impulso avassalador, pois separando-o em duas grandes áreas, o que seria ‘essencial’ e ‘acidental’, permitiu que se pudesse mensurar, classificar, “matematicalizar”, instrumentalizar tudo o que fosse inerente à ciência, libertando-a a princípio das áreas concernentes à filosofia, à religião, à teologia, à ética, etc.
O estado passou a ser laico, a medicina e as manifestações artísticas. No entanto, engana-se quem pensa que tal separação deu-se de fato, embora teoricamente tenha se dado de direito.
A influência da religião está presente em todo e qualquer ato da vida humana, até para os ateus e agnósticos, por paradoxal que seja. A religião faz parte e é um dos pilares da sustentação do ser humano, junto com seu lado psicológico e biológico (ao meu ver não podemos separá-los).
A medicina, portanto, é influenciada pela religião; talvez nem tanto na sua vertente científica (e mesmo esta recebe grande influência), mas na sua aplicação prática na vida dos pacientes e seus familiares. Sem aprofundarmos, podemos vislumbrar a veracidade desta assertiva: por que algumas religiões não permitem transfusão de sangue e no entanto permitem transplantes de órgãos? Por que outras, cujo povo é celeiro de grandes cientistas e tem uma das medicinas mais avançadas do mundo, não permite transplantes? Por que para algumas o aborto (repudiado por todas) é condenável em diferentes fases da vida do embrião e outras consideram um ser vivo independente, quando o feto “sai” do útero da mãe?
A morte é a razão primeira e última da religião e da medicina. Não fosse a morte, a rigor não haveria necessidade de uma nem de outra. Ambas tentam satisfazer a grande, profunda e insondável questão da humanidade. Que dizer então da influência das religiões na morte e no morrer? Eutanásia, distanásia, ortotanásia...
Aprofundando mais: há dois grandes ramos de religiões, com uma diferença essencial, que influencia toda a maneira de ver, julgar e agir no mundo, a história, a filosofia, a educação, a terapêutica, o convívio conjugal, familiar, social, tudo, tudo. Um ramo mais antigo que é o místico e o outro mais recente ( +  4.000 anos ), o profético. No primeiro há uma intuição que a revelação do divino seria percebida pelos humanos (geralmente alguma liderança espiritual) ou por algumas pequenas comunidades de maneira quase atemporal geralmente orientando a uma atitude pessoal de comunicação com Deus. São as grandes religiões orientais, especialmente o budismo e as religiões da Índia.
No segundo, o ramo profético, há a crença que o próprio Deus irrompeu na História e a influenciou e influencia até hoje e sempre. Podendo-se precisar a data destas manifestações concretas do divino. O acontecimento fundamental foi a intervenção de Yahweh no Egito para libertar o povo hebreu da escravidão. As três maiores religiões deste ramo são o Judaísmo, o Cristianismo e o Islamismo.
Nas religiões místicas há, sem querer generalizar, um conceito de que a vida, e portanto a história, são cíclicas. O conceito de encarnação e reencarnação está inserido . Outro conceito importantíssimo que influencia a ação da medicina, é o conceito do corpo, pois nestas religiões há uma percepção que o ser humano “tem” um corpo e uma alma. O ser humano é parte da “naturezauniversal e está condenado ao eterno retorno até que se dissolva na divindade.
Nas religiões proféticas a visão do mundo e da história sugere que há uma progressão linear, sem retorno. Quanto à questão do corpo, elas acreditam que o ser humano “é” o corpo animado pelo sopro de Deus. O ser humano é parte da “naturezacom um gérmen da divindade e “passando” por este estágio terreno, permaneceria com sua individualidade e chegaria ao convívio do divino na próxima e definitiva vida.
Daí a questão da ressurreição e da reencarnação. Daí a questão da alopatia e da homeopatia. A questão dos transplantes e reação da família. Como dizer a uma mãe e a um pai, que seu filho, mesmo respirando e com o coração pulsando está morto? Se uns acham que ele é um corpo, como arrancar um pedaço e dá-lo a outro, no entanto se acham que ele tem um corpo... Como é vista a tatuagem? O piercing? A circuncisão de crianças? Por que batizar um feto que não se sabe bem se está morto? A consulta, a pesquisa diagnóstica, a terapia serão as mesmas em meninas de qualquer religião? Ética e moral são a mesma coisa? Religião e ética? Algumas dietas serão permitidas, alguns medicamentos, alguns tratamentos invasivos? As experiências com animais e até em humanos? A doença como castigo, purgação, purificação?
Creio que junto ao ensino da ética e bioética nas escolas de medicina, faz-se necessário um estudo das diversas religiões, para que cada vez mais aprofundado no ser humano o médico saiba exercer sua arte com dignidade e paixão.

Assuero Gomes


Nenhum comentário:

Postar um comentário