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quinta-feira, 17 de novembro de 2011

“Tenho teu coração diante de mim, não te aflijas”

                              



                                         “Tenho teu coração diante de mim, não te aflijas”

E foi com o espírito combalido de tanta doença sobre si que o pobre sacerdote se prostrou com um derradeiro suspiro, procurando alívio, em frente a uma imagem de Maria.
A dificuldade de caminhar, o cansaço, o desconforto em respirar, as dores crônicas nas pernas que às vezes se exacerbavam insuportavelmente, oprimia o sacerdote.
Caminhar era difícil, falar mais ainda.
Refletia sobre o sofrimento humano, sem encontrar resposta convincente para si mesmo, como poderia reconfortar os enfermos? Ele mesmo se sentia enfermo e não estava encontrando consolo.
Naquele cair de tarde entrou quase em desespero. Lembrou de Elias quando estava desistindo de sua missão e pediu para que Deus providenciasse sua morte, ao que o próprio Deus enviou um anjo com um pedaço de pão e o mandou continuar. Talvez, quem sabe, o padre esperasse um anjo, um aviso, um sinal, um conforto. No íntimo, no íntimo mesmo ele não acreditava muito em anjos, visões, sinais miraculosos e outras coisas mais da nossa prática religiosa.
Deixou o corpo cair ajoelhado e os músculos relaxaram. A visão embaçou um pouco. A respiração também (a respiração pode embaçar a vida das pessoas).
Fez uma revisão de vida. O Seminário Menor o qual adentrou muito cedo, a despedida prematura do convívio familiar, as regras de observância um tanto rígidas, a dedicação aos pobres e os conflitos que teve que superar, de várias origens, sociais, políticos e até eclesiais.
Agora o que restava daquele jovem determinado que atravessou mares e sobreviveu a marés?
Maria parecia indiferente à sua reflexão.
Saindo então da genuflexão, sentou-se. Frente a frente, olho no olho, suplicantes olhos de sofredor peregrino.
Silêncio apenas, silêncio.
Nem um vento súbito, nem um raiozinho de luz, nem uma folha morta se arrastando, nem um besouro zunindo, nada, nada. O ambiente mergulhara na penumbra e no silêncio absoluto, e absorveu o nosso sacerdote, de tal maneira que quem passasse por ali, mesmo olhando não o veria.
Lembrou, como uma última lembrança, que todas as pessoas que se aproximaram de Jesus, segundo o relato dos evangelhos, foi por causa de uma doença ou sofrimento e um pedido de cura, e que através desse encontro mudaram suas vidas para sempre. Isso paradoxalmente o atormentou mais ainda, pois estava diariamente com Jesus no serviço aos pobres e na Eucaristia, sabia que Jesus sabia de sua aflição, portanto, então, ele não seria digno de receber uma graça que o aliviasse um pouco. Triste e pesaroso foi se levantando para se recolher.  Nesse momento olhou para a imagem e percebeu como uma voz dentro de si dizendo suavemente: “Não te aflijas, pois tenho o teu coração diante de mim”.

Assuero Gomes




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