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segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

As Princesas





As Princesas

Todas as meninas são princesas. Mesmo quando a vida e a sociedade lhes sugam a seiva da infância, mesmo quando as lágrimas já não choram nos seus olhos, e as suas bonecas foram perdidas no mundo dos adultos, as meninas são princesas. Quando não houve pai nem tio nem irmão, nenhum padrasto sequer, mesmo quando seus corpos estão desfigurados pela fome, ou maltrapilhos e rotos vestidos lhe cobrem pouco o corpo magro, mesmo assim são princesas.
Ao fugirem de casa, espancadas, perseguidas, adulteradas, mulheres prematuras tornadas por uma insana e cruel realidade, são princesas. Não daquelas princesas louras, eternas adormecidas à espera de alguém cavalheiresco de fala rebuscada, não daquelas princesas de sonhos de cinema, de cristal, em redomas furtivas à luz da lua, nem daquelas presentes em sortilégios de amor idealizadas pelos irremediáveis românticos. São princesas de carne e espírito. Reais.
Serão eternas princesas mesmo que a vida lhes apague da memória um dia, uma tarde talvez, em que sonharam com o amado, ou com um vestido novo, ou com a luz de uma vitrine inacessível. Um relance, um fio de lembrança que cerziu de cor uma vida rasgada e desbotada, neste momento, perdido talvez para sempre, no qual ela sonhou com o carinho de um pai que lhe carregou no colo, ou lhe ninou, chamando-a de minha princesinha, ou no dia em que lhe trouxe doce presente, ou o beijo diário de boa noite, ou uma bênção sussurrada no seu ouvido sonolento.
Os anos poderão passar, o corpo já não tão ágil, as alegrias fugidias mais escassas. A filhas com suas filhas em visitas esporádicas. A vida resolvida bem ou mal. As avós são princesas também, pois a menina que foram está dentro delas, incólumes, guardadas, como relíquias no altar da infância. Todas as mulheres são princesas. De carne e osso, de carne e sonho. De flor e flor.
São princesas agrestes aquelas do sertão cujo olhar sonha com o horizonte do mar, são princesas também, aquelas que catam siris e caranguejos no mangue e na lama sonhando com uma casa com água na torneira, um chocolate e uma cama limpa. São princesas aquelas nas quais a vida de sobrevivência as fez engavetar, mesmo em gavetas róseas de esperança, os projetos de profissões glamourosas; são princesas sutis e tristes aquelas de amores perdidos no passado, e que na solidão deserta do coração, vivem de lembranças e lembranças.
Serão princesas eternas nos corações cansados dos velhos pais, mesmo que elas se esqueçam deles algum dia.
Todas as meninas são princesas porque existe um Pai, que é o pai de todos os pais, que a tudo vê, a tudo ama ao infinito, e que tem um carinho especial pelas filhas mais frágeis. Um Pai que é como um rei que envia uma primavera para cada flor colhida antes do tempo. Todas as meninas são, portanto, filhas diletas do Rei, são princesas e o serão para sempre.

Assuero Gomes

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