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segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

Casa de Areia




                                                                 Casa de Areia

Construímos a casa de nossa vida sobre uma rocha sólida, ou nem tanto, sobre argila cozida ou mesmo madeira que não seja de lei. Ela está ali conosco. Pensamos que habitamos nela como uma ostra ou um caracol, mas é ela que habita em nós.
Vem o vento, não uma tempestade, mas um vento sutil de brisa matutina e vai virando nossa casa em uma desconstrução desconcertante, mais fluída que castelos infantis na praia de nossa infância.
Repentinamente nos damos conta que nós morávamos numa casa de areia. Areia fina que a peneira do tempo filtrou. O que era sólido volatilizou-se na penumbra de uma tarde escondida, o que era certeza nem dúvida deixou. Fosse nossa casa um barco, um barco de areia, certamente náufragos derretidos nos encontraríamos.
Acordamos um belo dia, talvez não tão belo assim, e nosso passado tornou-se frágil, nosso chão desliza e afunda e troca de lugar como num sonho desconexo. Procuramos algo ou alguém que tenha invertido nosso espelho ou consumido nossas linhas das mãos, ou que tenha deixado nosso trem partir antes que a estação estivesse pronta...mas não há ninguém, apenas o vento. Um sopro suave, como um alento de fim de tarde, ou uma luz singela de um crepúsculo banal.
Nossas construções se esvaem sem nos pedir licença. Nossas teias estão rompidas. Nossas redes rotas. Corremos desconcertados em busca dos grãos da terra que foram soprados, com desvario, mas não conseguimos alcançá-los, pois dispersos foram, por lábios invisíveis no seu sopro silencioso.
Nossa casa de areia está desfeita, nossa capela vazia, nosso apelo surdo vagueia a ermo sem escuta. Onde pisar? Por onde caminhar?
O vento que desarruma é o mesmo que reconstrói, é o mesmo que faz novas todas as coisas. O mesmo que transmuta a incerteza da escuridão em dia de sol. Na nossa limitada e poente visão não vemos o vento, muitas vezes nem o percebemos, encantados quedamos com nossas paredes sólidas, nossos cadeados de aço, nossos alicerces de sabão, nossa casca de ostra e o vento passa despercebido entre nossos cabelos e entre as artérias e veias do nosso coração.
Misterioso vento, que é hálito de Deus e que vivifica, prenúncio de água e de florescer. Quando abrirmos as nossas janelas e nossos porões forem arejados por ele, então veremos que nossa casa de areia era na verdade uma pequena jaula, mesmo ornada, mas era uma jaula, que foi dissipada. Nossos projetos, nossas certezas, nossos hábitos contidos, serão grãos, apenas grãos, minúsculos grãos na ampulheta da vida maior.
Resta esperarmos, vendo o doloroso desmonte de nossa casa, silenciosos, a direção para onde o vento sopra, e tentar nos alegrar, simplesmente pelo vento. Consolarmo-nos em saber que não somos donos do vento, nem da casa, nem da areia, nem do mar, nem da luz. Somos feitos deles, mas não somos seus senhores. Sobra-nos confiar que o vento nos levará para o novo, para o insondável, o incomensurável.
Acompanhar atentos a edificação de uma nova morada, e torcer para que nela caibam todos os seres humanos, fraternos, únicos e belos na sua pluralidade e completude, imutáveis na sua dignidade de filhos e filhas de Deus, pois na casa dele há muitas moradas e todos são bem-vindos.

Assuero Gomes



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