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sábado, 10 de dezembro de 2011

O Mar dentro de nós

                                                                                                                     vista de João Pessoa


O Mar dentro de nós

A vida veio do mar, aprendemos. Na aridez dos meus olhos não percebi durante muito tempo uma verdade, que me apareceu clara e límpida como o mar pernambucano numa manhã de verão.
Saímos, seres vivos todos que somos, do mar. Do mar primordial, onde pululavam aminoácidos no caldeirão em ebulição, junto com a água e relâmpagos cósmicos, no amanhecer da mãe terra. Tão quente sopa nutritiva, vinda do útero da Pancha Mama deu origem à vida, como partícipe do sopro (pneuma) divino.
Saímos do mar, filhos de peixes e anfíbios, mamamos nas ancestrais matriarcas já em terra firme, porém viemos do mar. A aridez dos meus olhos não me deixou perceber, até que meu coração os abrisse em lágrimas, que na verdade nós nunca deixamos o mar. Nós o carregamos dentro de nós.
Percebi que somos compartimentos de líquidos marinhos banhando nossos tecidos, que nada mais são que pedaços de um continente perdido, como uma Atlântida celeste, da qual a terra faz parte, já que ela é um pingo de líquido leite de luz, da Via Láctea. Aprendi com os pequenos pacientes desidratados pelas doenças sociais que os afligem que, quando o nosso mar interior se esvai, desequilibra-se nossa vida. Aprendi que lágrima é mar, suor é mar. O nosso mar verte em lágrimas, ou suor, ou saliva, ou em tantos outros fluidos corpóreos, nos grandes e pequenos momentos, alegres ou tristes, prazerosos ao extremo ou simplesmente dolorosos, nas perdas e nos ganhos, no cais de chegada e partida.
Navegar é preciso como dizem o poeta e os navegadores, pois navegar é viver. Aprendi que podemos navegar no nosso mar, mesmo no deserto. Aprendi que é preciso carinho e cuidado com o nosso mar interior, como num desafio ecológico constante, pois dele nunca nos apartaremos totalmente, mesmo desidratados de solidão. Temos que conhecer o íntimo de nossas marés, para prevenidos, evitarmos as tempestades e podermos admirar as fases da lua, no nosso horizonte, belas e provisórias como as próprias marés, os ventos e as correntes, as estrelas, ou o nascer e o por do sol, que surgem novos a cada dia dentro e fora de nós.
Sobreviver é preciso no mar revolto. Pescar em águas profundas a cada crise e a cada desalento. Naufragando, sobreviver. Procurar os pedaços de ilhas, unindo-as em fraternidades interiores, para que se recomponha o continente perdido.
Carregamos o mar dentro de nós.
Um dia a mãe terra, como toda mãe ciumenta, recolherá seus filhos ao seu útero, pensando ela nos conter e nos guardar. Não sabe, porém, que mesmo ela, pertence ao enorme oceano que é o universo. Na medida em que nos guarda, navega errante sem porto onde atracar. Carregamos o mar dentro de nós e o mar nos carrega.
Certa vez, na adolescência, ouvi um pensamento hindu que dizia: “estando entre nós o oceano, senti tuas mãos nas minhas, e agora, tendo tuas mãos nas minhas, sinto entre nós o oceano”. Não deixemos que o nosso oceano nos afogue, nem afogue ao outro. Não deixemos nos atolar em pântanos e charcos, nem nos amedrontar com os monstros marinhos adormecidos nas nossas profundezas abissais, mas livres marujos, destemidos, olhando as estrelas e as profundezas, caminhemos por sobre as ondas, lembrando sempre, que apesar de nossa fragilidade, somos filhos e filhas do Criador dos mares todos, interiores, exteriores e celestiais. Navegantes somos, mas temos um imenso porto, tão maior que o maior dos oceanos, e nele deitaremos nossa âncora definitiva: o coração de Deus.


Assuero Gomes







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