imagem Google
Mulher, dos passos
acorrentados à liberdade.
Passos lentos e suaves, mimosos, carregados por calçados
sofisticados. Dos pés atrofiados das orientais, dos saltos imensos das
odaliscas, da nudez dos pés das escravas, dos saltos pungentes das egípcias de
Faraó, das gregas Helenas esperando seus guerreiros regressarem das tempestades
do mar Egeu, de Catarina de Médicis e das cortesãs de França, sempre impedidas
de correr, de fugir, sempre impelidas a servir, de pés aprisionados.
Duro caminhar de caminhos nem sempre flores, nem sempre
tapete vermelho. Muitas vezes caminhos de pedregulhos, de espinhos, de brasa e
fogo, salpicados de sol, algumas vezes caminhos de frio e gelo, sempre
doloridos.
Mulher dos passos acorrentados à liberdade, quanto caminho,
quanto caminho! Caminho do sempre sim, entre os dentes trincados do não;
caminhos escuros e tenebrosos da fuga com uma única luz acesa dentro de si,
caminho de heroínas anônimas, caminho carente de poesia e som, apenas silêncio
e solidão, quantos degraus a subir, quantos quilômetros a percorrer, quantas
etapas da história a vencer?
Concede-me uma dança? Vamos dançar a dança do ventre livre,
o tango do cego com teu perfume de mulher, antes que a meia-noite venha, antes
que o dia amanheça, antes que o impossível tome conta de nós e já seja tarde e
não nos vejamos jamais... O tempo da liberdade da mulher é tão curto, tão
curto, como a alegria efêmera de uma brisa de verão.
Dança tua dança, descalça, desamarra teu pés, desnuda tua
liberdade, quebra teu sapatinho de cristal, baila como uma manhã toda no
primeiro dia da Criação, esquece por um instante, no tempo descompassado dessa
música de liberdade, esquece de teus compromissos, de tuas amarras, tiaras,
cintas, ligas, espartilhos, brincos, piercings, tatuagens, cicatrizes, lágrimas
e feridas, enquanto a música toca a melodia da juventude, a melodia de não ter
que.
Dança tua dança solta, como uma guerrilheira de último fuzil
antes do tiro derradeiro, ou como uma náufraga que queimou seu último navio ou
pulou da prancha no meio do mar da madrugada.
Mulher de andar de botinas ou sapatilhas, de romper arames e
grades, de furtar horas de relógios de corações alheios, de derramar tempos em
caldeirões de estrelas e barro, de cozinhar futuro para o futuro dos filhos dos
outros, mulher insana na busca da liberdade contorcida em partos imaturos, que
carrega a história no ventre e no peito.
Hoje e sempre é dia de caminhar, pois a liberdade ainda
tarda, andarilha em quatro paredes, em balcões e cabarés, em conventos e
creches, em prisões e calabouços, em pequenas revoluções furtivas. Mas hoje
dança, dança, porque o dia é teu, a manhã é tua, desata as correias de tuas
sandálias, pois a música não é para sempre...
Assuero Gomes
Médico e escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário