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quinta-feira, 10 de maio de 2012

Olhando Maria






Olhando Maria



Sobem o morro multidões em crise e outros nem tanto, felizes. Alguns vendedores experimentam o milagre da sobrevivência mais farta, por pelo menos oito dias. Crianças sonham com o carrossel do parque popular, os vendedores de velas e fitas se alegram. Patroas e empregadas sobem juntas. Prostitutas e freiras. Mendigos pedem, senhoras pedem, o pároco pede, o coral canta, os fogos explodem. É júbilo, é oração, é festa.

Quem os vê de longe pode pensar numa serpente caprichosa que vai ser pisada pelos pés da Virgem, mas são passageiros de uma terra em movimento, paroquianos do planeta, poeira cósmica cintilante e opaca, a romaria das filhas e dos filhos que segue morro acima. Vão debulhar suas novenas, como grãos semeados em terços devotos.

É festa no Morro. É festa no coração, entre lágrimas e sorrisos e olhares todos procuram pela Mãe. Não será esta a eterna procura dos seres humanos enquanto vivos? Procuram o carinho, o alívio, a proteção, a saúde, o conforto. Alguns sobem de joelhos, outros carregam pedras, como se o fardo de viver e caminhar já não fosse bastante pesado para todos, especialmente para os miseráveis, filhos e filhas de Eva neste vale de lágrimas.

Vãos os devotos e os profanos, os puros e os promíscuos, estão de azul e branco. Olham serenos o olhar sereno da serena maternidade de Maria.

O que pensará a Mãe nestes dias de festa e devoção?

Olhando aquela multidão desesperada e compassiva, como ovelhas no meio de lobos, olhará para o Filho e intercederá por cada um, citando nome por nome, derramando misericórdia no já transbordante coração misericordioso de Jesus. Bastando um olhar de súplica, que vale mais que todas as orações de todos os anjos e santos do universo celeste. Maria contará no seu coração cada lágrima de uma mãe aflita, de um pai de família desempregado, de um drogado, de uma violentada, de uma família destroçada. Transformará estas lágrimas em um rosário translúcido, como uma jóia rara, e o depositará nas mãos do Filho para que os alivie.

Lá vai o cego camelô vendendo óculos, o profeta bêbado que grita contra o governo, a cantora lírica que está afônica, a afilhada que foge da madrinha, o homem de paletó com a Bíblia na mão clamando o fim do mundo, o aleijado tentando subir correndo, a gestante que não encontrou lugar para ela na maternidade, o pedinte com a perna enfaixada, a faminta que pede comida numa lata de goiabada, o dançarino de frevo numa cadeira de rodas, e a procissão aumentando. É a humanidade peregrina no seu cortejo humano aos pés da santa.

O que ninguém sabe, e isso é um segredo mariano, é que ela desce do pedestal, e ali no meio de seus filhos e filhas caminha com eles, incógnita, invisível, no entanto aqueles que veem com os olhos do coração, especialmente as crianças e os pobres, a reconhecem e se animam mais um pouco, até a chegada final da peregrinação. Segue com eles cantando a canção e os hinos de vitória, pois o Filho traz a história na mão.

Olhar Maria, só através dos olhos dos necessitados, dos aflitos e dos corajosos. Entender Maria só com o coração ferido de uma mãe cujo filho sangra a dor do abandono e da necessidade. Pedir a Maria é ter certeza da sua intercessão junto ao Filho, agora, amar Maria só amando seus filhos, que são nossos irmãos.



Assuero Gomes


Cristão católico leigo de Olinda e Recife

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