A arte de governar
O bom jardineiro, embora leve em
consideração as cercas, sabe que a primavera não as respeita e que o senhor do
jardim faz chover sobre as flores e sobre as ervas daninhas da mesma forma.
Embora lhe possa doer o coração, há que podar os ramos no tempo certo, para que
a florescência não feneça e desabroche bela em pleno vigor. Há que reparar com
carinho o caniço rachado e jamais excluir as plantas mais frágeis, mais
desnutridas, sem viço, pelo contrário, estas devem ter sua preferência no
cuidar.
Antes de por a mão no solo e nas
plantas, o jardineiro tem que estar em paz consigo mesmo. Deve ter amainado
suas tempestades interiores, sua aridez de alma e generoso para si próprio,
deve fazer brotar com amor, o orvalho da harmonia interna, que rega o corpo e o
espírito, e traz a paz na sua forma mais sublime.
O equilíbrio é o princípio e o
fim de um bom jardineiro, ou de um bom governante. O equilíbrio se dá quando
nossa natureza permite admirar e incorporar o adverso, o diferente, e é nessa
completude que o temor, pai de toda violência, é afastado, temor este gerado no
desconhecimento do outro.
O jardineiro deve ter a paciência
de um monge. Deve saber escutar até o crescer da grama. Deve se orientar pelo
canto dos pássaros e pela mudança do sopro do vento. Deve amar a cada flor,
sabendo que ela é o resultado do equilíbrio harmonioso da raiz, das folhas e
até dos espinhos, uns não existem sem os outros. O bom jardineiro deve aguar o
solo com as águas dos próprios olhos quando seus rebentos estão sofrendo
injúria ou ameaça, deve ser sensível ao infinito às suas necessidades e
magnânimo no perdão. Por certo, agindo assim, verá florir seu jardim que
resistirá aos rigores do tempo e florirá a cada primavera. Deve lembrar sempre,
que o jardim não é seu, e seu ofício é tanto mais nobre quanto mais consciente
for de que o Senhor do jardim é o mesmo Senhor das primaveras, e que ele, o
jardineiro, está apenas servindo por instantes na parte de terra e do tempo que
lhe foi dada.
Na China feudal, o duque de Shao
refletiu sobre a arte de governar e enviou estas sábias e belas palavras ao
grande imperador Li-Wang, no ano de 845 antes de Cristo:
“Um imperador sabe governar
quando os poetas têm liberdade de fazer versos; os atores, de representar; os
historiadores de dizer a verdade; os pobres, de rosnar contra os impostos; os
estudantes, de aprender suas lições em voz alta; os obreiros, de louvar a
habilidade própria e procurar trabalho; o povo, de falar de tudo; os velhos, de
por defeitos em todas as coisas.”
Um governante sabe governar
quando faz a justiça brotar em cada esquina, frutificada em pão e ternura, e
seus ramos darão sombra e abrigo para todos os cidadãos como os pássaros que,
trazendo escondido nas suas asas em repouso, o vôo do futuro, fazem seus ninhos
nela.
Um jardineiro ama seu jardim como
se dependesse dele a primavera e a cor e o perfume das próximas flores
escondidas nos botões, e será tão mais feliz quanto mais viçoso e belo o
deixará para seu futuro.
Assuero Gomes
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