O Médico
O médico há de ser tão hábil com
as palavras quanto com o silêncio. Ser prudente como uma mãe que carrega seus
filhos no colo ao atravessar uma larga avenida estrangeira. Destreza e perícia
devem ser os fios condutores de sua arte e de seu ofício, e lembrar sempre que
a palavra corta mais que o bisturi, drena e limpa mais feridas que qualquer ato
cirúrgico, e que esta mesma palavra se mal aplicada, pode lesionar ou amputar
uma alma para sempre, irremediavelmente.
Há que ser culto sem ser esnobe,
e ter a consciência que, por mais hábil que seja, mais informado, mais
competente, será apenas um ser humano ajudando o outro na sua fragilidade.
Curar, amenizar o sofrimento, consolar, são atributos de Deus, do qual somos
infiéis depositários de uma graça que não merecemos. Um dia o médico, sua
esposa ou seu filho estarão recebendo os cuidados de outro médico, isso faz
parte da inexorabilidade da vida; por isso, jamais, em momento algum, deve
receber alguma compensação por atender outro médico, isso, por si só já é uma
honra. Participará com determinação e vontade inquebrantável de todas as lutas
justas da sua classe.
Há que ter poesia no seu
espírito, pois de que outra maneira suportaria o sofrimento do outro? Quanto à fé, não se pode compreender um ser
humano que vai a um lugar de onde os outros fogem, os umbrais da morte, o vale
da dor e das lágrimas, o misterioso limite do suportável, sem ter fé. A fé será
seu único alimento em algumas situações e sem ela, certamente o médico
perecerá, a não ser que não seja humano, então não seria médico.
Deve levar sempre consigo um
lenço limpo, e não idolatrar a tecnologia sedutora, não fumar e se trajar de
forma coerente com a pessoa que é. Jamais se embriagar, respeitar as leis de
seu coração e o limite de seu corpo. Lembrar que o país no qual nasceu é a
extensão de seu corpo, portanto você está inserido carnalmente nele. O médico
não é uma pessoa comum. É um formador de opinião e é o ser humano que se lhe é
permitido chegar mais perto da alma do outro. O sacerdote, no seu ofício
sagrado, chega perto desta íntima e delicada relação com outro, no entanto,
dificilmente um fiel se mostrará desnudo a um sacerdote, e muito menos
permitirá que este lhe perscrute suas mucosas e suas vísceras.
O médico não decidirá sobre sua
conduta, pressionado por quem quer seja, nem por forças ocultas, nem
religiosas, nem econômicas, nem políticas. Respirará e transpirará Ética todos
os dias de sua vida sobre a Terra, e terá uma atenção especial para com os
pobres no seu momento de dor, sempre, pois serão eles que o receberão, quando
as glórias humanas tiverem passado e das vaidades restarem apenas umas poucas
palavras nalguma lápide esquecida varrida pelo vento do tempo e do
esquecimento.
Assuero Gomes
Médico e escritor
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