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quinta-feira, 12 de julho de 2012

A Cidade de Lynch revisitada









A Cidade de Lynch revisitada



Apesar de ter intenção de jamais voltar à cidade de Lynch, por estas circunstâncias do destino que fogem à nossa vontade, encontrei-me nela no 1º. de maio deste ano.

A saudade verteu em meu coração um pouco de nostalgia.

Dia do trabalhador, e não do trabalho, esperava eu, talvez inconscientemente, uma festa entre comícios e manifestações, crianças nas praças e ruas com suas famílias operárias; mas a manhã estava fria e sonolenta, de um cinzento pesado, quase morto.

Deparei-me de repente com uma visão desesperada e silenciosa, que gritava na sua imagem mais que mil gritos: como corpos cobertos em sacos de lixo, plantados na areia da praia, assim como se o mar os houvesse vomitado, mas o mar não aceitava estes corpos, pois náufragos foram de uma cidade violenta e nada tinham a ver com o mar; belo mar de uma orla que fora lúdica e gentil em tempos passados.

Não era pesadelo. Mais de mil e quinhentos mortos em quatro meses de ano. Mais que qualquer guerra atual em curso no planeta. Corpos jazem neste tecido social roto que amortalha a cidade.

Contradição de anseios cívicos, como cidadãos do medo que se tornaram, nesta Gotham City sombria, sem heróis, inquiri-os sobre seus sentimentos. Medo. Mais medo. Insegurança. Aprovam quando a polícia mata sem julgamento, porém na sua contradição, a maioria não confia nesta polícia.

Na melhor tradição do capitão William Lynch passaram a matar, eles mesmos, os assaltantes, com o beneplácito e a cumplicidade da população. Estranha cidade a qual esta se transformou. Não há mais quase ninguém à noite, a brisa do mar que o poeta cantava e seus lampiões, já não há. Mosquitos infectados rondam a miséria. Pululam crianças nos semáforos exibindo a degradação social, enquanto nas publicações e cartazes se alardeia a melhoria de vida da população.

Quem foste e o que és agora, oh triste cidade? Far-te-ia um poema com 30 copos de chope, mas não há chope, apenas copos vazios de lágrimas; domar-te-ia o rio, cão sem plumas, mas ele está morrendo e já não há o que domar, apenas limpar o canto da boca como num último suspiro.

Violência, que nasce da injustiça e que clama com lâminas e revólveres, entre fumaças e seringas, destruíste uma bela cidade. Embrutecida a população já não ouve serestas nem se dá conta de versos e rimas, mesmo as preciosas.

Ruas vazias de cidadãos vazios de esperança, como os sacos de lixo espalhados pela areia da praia. Cidadãos encarcerados nas suas ilhas de ferro farpado e eletrificado, oprimidos por impostos pesados, que se isolam e se isolam e se isolam...

A periferia que dormita, quase inerte, a catar restos de latinhas de alumínio e a vender suas drogas aos mais abastados, sangra uma cidade que carece de esperança. Sangra-lhe a garganta com cacos de vidro, em cada moto, um sobressalto, em cada saída o regresso duvidoso.

Melhor guardar de ti uma foto, um postal, onde mesmo imóvel possamos projetar nosso desejo de te ver bela, algo como uma mirada narcísea, onde se vê a si próprio no olhar da amada. Melhor guardar de ti o doce fruto da juventude, com o qual alimentavas o futuro.

Que fizeram de ti, bela cidade?



Assuero Gomes


Médico pediatra, escritor.


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