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terça-feira, 3 de julho de 2012

O Parto de Bilac




O Parto de Bilac





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O Parto de Bilac



A mãe era uma jovem romântica, destas que a mais tenebrosa das tempestades só lhe parece beleza. Vê poesia em todos os momentos da vida, tem um coração puro e translúcido. Bebe da natureza e admira-se com o vôo das manhãs nas asas dos pássaros matinais.

Está grávida. Sonha com o filho quase todas as noites. Sonha com um parto normal. Pudesse seria no campo. Jamais em hospital com médicos, anestesias, drogas químicas, estresse. Jamais uma cesariana. O parto deve ser normal. O da sua avó foi em casa, com a parteira... daquela época em que se colocava o chapéu do marido na cabeça da parturiente para dar-lhe força.

O filho chamar-se-ia Bilac, em homenagem ao grande poeta que contava as estrelas.

Ela freqüentava um grupo de terapias alternativas. Não fez o acompanhamento pré-natal. Detestava hospital, laboratório, carne vermelha, antibióticos.

A gestação prosseguia tranqüila, como tranqüila deve ser a vida. Bilac mexia muito na barriga. Era um feto de uma vitalidade espantosa. Nem uma consulta médica, nem um exame sequer, nenhuma vacina. Sua avó, sua bisavó, nunca tiveram nada disso. Sempre deram à luz em casa, uma teve nove filhos e a outra dezesseis.

Realmente, com exercícios respiratórios, muita fruta e verduras frescas, sem preocupações maiores, a gestação seguia tranqüila.

Resolveu, a mãe, ter essa criança no interior, no sítio que foi de seus avós. Longe da cidade, perto das plantas e dos animais. Ar puro da manhã. A família foi contra, pois poderia haver necessidade de alguma assistência médica, se as coisas não corressem como o esperado. Ela se manteve intransigente. O  grupo iria com ela. Ela estaria bem. Assim foi feito.

As poucas semanas que restavam para que se completasse o tempo propício do parto, transcorreram em plena harmonia. Por precaução, embora o grupo de amigos e amigas que foi com ela para o sítio, se prontificasse em ajudar no parto, ela contatou uma parteira que prestava assistência naquela região rural.

Era madrugada e as dores começaram. Lentamente, espaçadamente. Uma mais próxima da outra, uma mais forte que a outra. Neste tempo já havia perdido o “sinal” como as parteiras chamam o tampão mucosanguinolento que é expelido no início do trabalho de parto. As contrações pioraram. O grupo se apavorou. Mas estava tudo bem. A bolsa não havia rompido. Foram chamar a parteira, com muito sacrifício, pois era escuro ainda e a aurora demorava, lenta, partejando o sol. Mais de duas horas se passaram até que a parteira chegou.

Estava tudo bem. As dores estavam bem piores. A mãe suportava bem. Respirava rápido e curto. Bilac era grande. A bolsa rompeu. O líquido não estava tão claro quanto a parteira esperava, era um pouco marrom. A mãe não viu, nem precisava saber. Estava tudo bem. As dores aumentavam. Bilac não saía. A parteira começou a empurrar a barriga da mãe para ajudar. Chamou duas das amigas do grupo para ajudarem. Bilac não saia. A vagina estava toda edemaciada. Força! Força! Paciência! Pediam à mãe, que começava a se desesperar. Seis horas depois da bolsa rota e Bilac não saia. Uma das vezes saiu o cordão umbilical. Bilac já não se mexia. As dores foram melhorando. A mãe estava um pouco inconsciente. Levemente inconsciente, exausta. A parteira começou a se preocupar.Algo não estava indo bem. Já fizera mais de duzentos partos, mas aquele estava complicado. Achava bom levar para o hospital. A mãe, não agüentando mais, concordou.

Entre colocar a mãe em uma condução e chegar ao hospital, o tempo consumiu quase duas horas. Mais um tempo para prepará-la para a cesariana.

Bilac finalmente veio ao mundo. Triste mundo para Bilac. Bilac tem hoje graves seqüelas. Não anda. Não come só. Preso ao leito e à cadeira de rodas. Bilac não pode expressar toda a poesia que traz dentro de si.



Assuero Gomes

Pediatra







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