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domingo, 8 de julho de 2012

A cidade Lynch sangra








A cidade Lynch sangra



Cortada de rios, vejo Recife com suas artérias e veias abertas, sangrando. Já não são os Flamboyants nem as tardes que tingem de vermelho nossos olhos, apenas o sangue de pessoas, derramado nos bueiros entupidos.

A cidade sangra o sangue da violência, da juventude estuprada nos seus anseios e sonhos. Pesadelos emanados do crack e da maconha, vidas sem valor nenhum, nem as deles nem as dos nossos filhos.

Nos out-doors e nos out-bus mulheres louras seminuas cobram o consumo de pares de tênis, na televisão os jogadores de futebol mostram seus dentes e seus carros de luxo, nos jornais as páginas pingam sangue.

Os jovens da periferia olham para trás e não vêem família, olham para frente e nada vêem, olham o agora e sentem o gosto metálico de uma bala entre os dentes. Crêem no deus imediato do crédito adquirido com o revolver, sonham com o carro do boy da faculdade particular.

Pais e mães aflitos oram todas as noites para que os filhos e as filhas retornem. Insones vasculham as janelas do apartamento ou o som das ruas noturnas na ansiedade do retorno. A cidade trama, a cidade mata.

O olhar cartesiano dos gestores mecanicamente esconde os corpos e pensa em aumentar o efetivo policial. Alardeiam um por cento a menos de mortes que há dez anos, três por cento de menos sangue que no carnaval anterior, quatro balas a menos que no último natal.

A cidade sangra aflita. A droga permeia no seu rastro maldito. Os ricos enviam seus filhos para o Canadá ou para a Europa, os remediados sonham com isso, e veem que a única solução plausível é a porta derradeira do aeroporto internacional Gilberto Freire/Guararapes.

O abismo que há entre o menor e o maior salário ganho entre os brasileiros é bem mais profundo do que possa imaginar nossa voraz e insaciável máquina de arrecadação de impostos. O abismo nos sugará a todos, com ou sem CPF, aliás, já está sugando a cada dia, a cada noite; é um abismo terrível, no qual vamos depositando nossos jovens, nossa esperança, nossa civilidade.

A cidade sangra pelos olhos, suas lágrimas vermelhas, sangra pelos ouvidos com os gritos lancinantes de mães solitárias, sangra pelos poros de cada janela aberta nas noites dos apartamentos.

Quantos corpos teremos que contar, insepultos em nossas mentes e corações? Não há relógios nem cronômetros, nem mãos cansadas de coveiros que consiga parar esta dança de número malditos.

A cidade do Recife sangra, Pernambuco e Brasil sangram mergulhados na impunidade, e afogam o futuro perdido de tantos jovens, todos vítimas precoces, imoladas no altar do descaso e do egoísmo de uma nação, mãe que não dar educação nem saúde a seus filhos, no entanto engorda políticos.

Sonhar, no entanto é preciso, assim como é impreciso determinar um tempo de futuro melhor, para os sobreviventes. Pelo próprio ofício do cristão, devemos esperar contra toda desesperança e criar pequenas fraternidades nos caminhos alternativos. 



Assuero Gomes


Médico e Escritor

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