Padre Arnaldo Cabral de Sousa, 94 anos.
Vida dedicada ao sacerdócio, à formação eclesial, à Igreja e especialmente aos pobres.
Escrevi esse artigo em 23 de novembro de 2007.
Palavras atuais. Vieram do coração.
Padre Arnaldo, o tempo e a Igreja.
Converso com Padre Arnaldo Cabral
de Sousa, nesta tarde de novembro, no seu apartamento em Boa Viagem.
Encontro-me diante de um amigo, o qual me habituei a admirar, e no qual vejo
uma das mentes mais lúcidas e brilhantes que esta Igreja de Olinda e Recife já
produziu. Estou falando de uma juventude de 89 anos, dos quais 64 no ofício de
sacerdote. Novembro é seu mês, aniversário de vida e aniversário de sacerdócio.
Muitas maneiras há de se contar o
tempo, ora como contas de um terço, dedilhadas em fervorosa oração, ora como
páginas de um livro que vai amarelecendo, ora como um trem sobre trilhos, numa
férrea estrada que não sabemos bem onde vai dar.
Peço ao amigo para lançar seu
olhar sobre esta Igreja que está em Olinda e Recife e me contar o que vê, através
de seus olhos do coração, que vê por dentro e por fora. Ele me fala dos
arcebispos, com os quais conviveu e pelos quais podemos contar um pouco desse
tempo e dessa Igreja.
O primeiro, D. Miguel de Lima Valverde, do qual padre Arnaldo recém-ordenado
aos 25 anos de idade, em 1943, foi secretário particular, professor do
seminário, quando foi indicado pelo então visitador apostólico do
seminário(reitor paulistano e depois bispo D. Manuel Pedro Cunha Cintra) para
Vice-reitor e diretor espiritual, indicação esta, aceita por D. Miguel, fato
raríssimo devido à pouca idade do padre, mas que passou 5 anos neste cargo.
Padre Arnaldo guarda de D. Miguel
a figura de uma pessoa delicada, austera e respeitosa, que aceitou bem a Ação Católica
(uma verdadeira revolução na época), e que fazia suas visitas pastorais em
todas as paróquias. Era um homem pobre e sem vaidades pessoais. Vivia na
frugalidade e quem o visse nas cerimônias oficiais da Igreja jamais acharia
assim.
Padre Arnaldo lembra de um
episódio, no qual o governador do estado, Estácio Coimbra, chegou para falar
com o arcebispo, e este estava rezando o terço e não interrompeu suas orações
de maneira alguma. Aborrecido o governador se retirou. Poucos dias depois
reconheceu que ‘se um sacerdote agiu assim, era porque era um homem de Deus’.

O segundo arcebispo foi D. Antonio Morais Júnior, que veio de
São Paulo, de Guaratinguetá. D. Antonio nomeou “provisoriamente” padre Arnaldo
para a paróquia do Espinheiro, na qual ele ficou como pároco por 45 anos
ininterruptos. Deste arcebispo o padre ressalta ter sido ele um grande orador.
Tinha uma visão pastoral muito avançada para a época, se misturava com o povo,
erigiu várias paróquias nas periferias, inclusive as do Morro da Conceição, criou
um incrível “carro-capela” onde os sacerdotes podiam dar assistência espiritual
ao povo, celebrar a missa, confessar, enfim, uma capela móvel. Este arcebispo
foi injustamente apelidado de “Antonio Coca-Cola” porque se dizia na época, que
estava em todos os lugares. Era extremamente comunicativo.
O terceiro arcebispo foi D. Carlos Coelho, o qual nomeou padre
Arnaldo de volta para direção espiritual do seminário, onde ficou por mais 4
anos; dele guarda a lembrança de ter uma personalidade muito sensata, equilibrada,
discreta, de um homem simples, com profundo senso eclesial e com uma firme
opção pela Renovação Litúrgica. Um episódio pontual marca bem sua opção pelos
pobres: certa vez padre Arnaldo foi chamado por ele para uma conversa
importante sobre o seminário, durante a qual, uma velhinha bem pobre bateu à
porta do palácio. A irmã do arcebispo foi abrir e D. Carlos interrompeu seu
colóquio, mandou a senhora sentar junto deles, conversou demoradamente com ela
e atendeu seu pedido.

O quarto arcebispo foi
D. Helder Pessoa Camara. Padre Arnaldo
foi seu pró vigário geral, assessorando D. José Lamartine. Sobre o Dom, não há
mais o que dizer, e tudo o que se disser é pouco. Com ele foi um relacionamento
de muita confiança e seriedade. Lembra-se padre Arnaldo de uma pregação que
estava fazendo, na presença dele e de muitos outros padres da arquidiocese. O
padre disse: “a tristeza é que nós o admiramos, mas não o imitamos...”
Pergunto sobre o próximo que há
de vir, ele se nega a fazer uma previsão. Pergunto sobre o futuro da nossa
Igreja. Seus olhos brilham e ele profetiza: acho que deveríamos transformar
tudo isso, reconstruir ao lado dos pobres, mudar esta estrutura pesada e
cansada, estar junto do povo....
Padre Arnaldo lê diariamente pelo
menos dois livros, os jornais locais e se mantêm informado sobre a movimentação
da Igreja no Brasil e no Vaticano, além de acompanhar as notícias daqui e do
mundo. Talvez tenha descoberto um dos caminhos que levam à fonte da juventude,
talvez esteja perto demais da Fonte.
Parabéns, caro amigo!
Assuero Gomes